2016-05-06

A AUSTERIDADE QUE MUDOU PARA O GÉNERO FOFINHO


O governo enviou para a Comissão Europeia o Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC), prometendo cortar quase 2,5 mil milhões de Euros até 2020 para reduzir o défice, através de poupanças não especificadas, juros e consumos intermédios, ou seja, com a receita do costume, prevendo-se cortes nas prestações sociais, aumento de impostos indiretos, redução do investimento público, cortes nos gastos públicos nas áreas da saúde e da educação.

No fundo, o PEC que o governo enviou para Bruxelas é parecido (mas pior) com o do anterior governo da coligação PSD/PP, embora as expetativas inscritas no mesmo para a evolução da economia, do défice e do emprego entre 2015 e 2019 sejam piores do que as comunicadas há um ano. A austeridade continua pois com este governo das esquerdas, que agora já não criticam a mesma nem as imposições europeias traduzidas pelo PEC e, até evitam votar o mesmo no parlamento, ao contrário do que fizeram e exigiram sempre durante a governação anterior.

As esquerdas que criticaram e rejeitaram no parlamento os PEC do anterior governo, aprovando recomendações para um programa alternativo que cortasse o despesismo, promovesse maior crescimento económico e a maior criação de emprego, que resgatasse o Tratado Orçamental, preferem agora e incentivam mesmo que a aprovação do programa ocorra nas costas do parlamento, comportamento de que acusavam o governo anterior, em 2012.

As esquerdas que foram os campeões anti-austeridade durante o governo PSD/PP, clamando pela necessidade de virar a página da austeridade, aceitam agora serena e alegremente a redução rápida do défice que a Comissão Europeia exige, à custa da neoliberal medida de diminuição dos funcionários públicos e do congelamento dos seus salários, ao mesmo tempo que transmitem para o seu eleitorado a ideia de que discordam e não têm responsabilidade pelas opções do governo. A hipocrisia não tem limites e a falta de decoro, igualmente.

As esquerdas aceitam assim a mudança de género da austeridade, que agora é fofinha e simpática porque aplicada por um governo de esquerda, cujas medidas estruturais não chumbam no parlamento, apesar de as criticarem publicamente invocando não serem responsáveis pelas mesmas. Alguém acha isto normal e aceitável, a não ser pela motivação de exercício e conservação do poder, pelas esquerdas?

Enquanto isso, várias vozes, desde anteriores ao atual Presidente da República apelam publicamente à necessidade de pactos de regime, apesar de o PEC prever a redução do investimento público para os mais baixos níveis de que há memória na democracia portuguesa, quando a tal não apelaram em tempo do anterior governo que resgatava o país da falência a que a irresponsável governação socialista o havia conduzido.

Para chegarmos ao atual quadro, poderíamos ter seguido o caminho que Espanha percorreu e que conduzirá à clarificação política da solução governativa através de novas eleições, pois o país teria aguentado o governo anterior em gestão até à realização das mesmas, da mesma forma que aguenta a continuidade da austeridade pelo atual governo, apoiado pelas esquerdas.

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