Este não será por certo um artigo contra os professores, mas antes a visão pessoal da teia em que os mesmos se deixaram enredar, habilidosamente tecida por um Governo que a esmagadora maioria elegeu e agora se sente não apenas traída como também instrumentalizada, gerando dificuldades de defesa, por outra instrumentalização não menos perigosa: a dos sindicatos associados ao PCP.
O recente caso de ampla visibilidade pública de uma cena de violência na escola, envolvendo alunos e professor, surge num peculiar momento de desgaste político do Governo, de quebra de popularidade do Primeiro-Ministro e de ameaça de uma escalada da contestação social contagiante a outras classes socioprofissionais, depois de mostrada a possibilidade de mobilização de quase toda uma volumosa classe contra o Governo.
O resultado é a dispersão da atenção centrada no Governo, por via da discussão generalizada e amplamente participada em torno de uma situação que não deixa ninguém indiferente, o esgrimir de argumentos que alivia a tensão social e política que se vinha acumulando, a libertação do stress ou da ansiedade colectiva gerada pelas crescentes dificuldades económicas do quotidiano e pela incerteza do futuro.
Ninguém me convence que a chamada de atenção dos meios de comunicação social para um entre vários vídeos (de consulta livre) existentes sobre o tema, não tenha sido propositadamente encenada pelo batalhão de especialistas em propaganda eleitoral que o Governo tem ao seu serviço e cuja acção “terrorista” é bem conhecida da comunicação social e da blogosfera.
E, diga-se que o resultado pretendido foi conseguido, começando desde logo pelo aliviar da crispação social e pela recuperação da popularidade do Primeiro-Ministro nos painéis permanentes de inquiridos. Em parte, em resultado da comovida discussão em que o país mergulhou, procurando responsáveis, culpados e causas da vergonha por todos sentida e reprovada: os pais, os jovens, a escola, os políticos, o Governo, a sociedade e, por fim, também os professores.
Os pais não ficam bem na fotografia, o que se estende a alguns conselhos directivos/executivos pela permissividade consentida desde há muito e, por fim, a escola duma forma mais ampla, onde cai sempre a discussão. No fundo, a culpa é do sistema que, ao longo do tempo foi impunemente permitindo a tolerância à indisciplina, à avaliação pouco exigente, à permissividade e ao laxismo.
Chegados aqui, estamos no mais perigoso ponto da discussão: a culpa do sistema, porque o sistema são todos e não é ninguém, não permitindo por isso esquecer o Governo e os professores.
Ora, o Governo acabaria por sair bem da situação porque o fenómeno não é novo nem desconhecido e poderia acontecido com este Governo ou com outro (PS e PSD repartem entre si a responsabilidade pelo estado da educação em Portugal, como decisores ou como avaliadores: veja-se como Roberto Carneiro foi agora escolhido directa e propositadamente como avaliador das políticas do PS em matéria de educação-formação, repetição do que já tinha acontecido no reinado governativo de Marçal Grilo).
Os professores, aos poucos, foram sendo crescentemente implicados, repartindo com os pais uma crise de autoridade, supostamente responsável por boa parte da explicação do fenómeno. No fundo, a teoria repetidamente ventilada pelo filósofo Fernando Savater de que a família evita deliberadamente assumir qualquer papel de autoridade com os filhos e empurra o papel disciplinador quase exclusivamente para os professores.
Daí até considerar que boa parte dos professores não tem o perfil adequado ao exercício desta autoridade, foi um pequeno passo, de bandeja para os mais fervorosos adeptos da escola rígida e regrada (privada de preferência).
Perante esta posição, os professores sentem-se incomodados com a discussão, incapazes de alinhar em qualquer condenação ao colega do filme, mas também divididos no papel de pais com uma indefinida quota de responsabilidade nas dificuldades comportamentais criadas quotidianamente pelos alunos à classe a que pertencem.
A vulnerabilidade da classe, que possibilita a implicação na discussão de forma tão directa, decorre em parte da insuficiente legitimação social da acção sindical dos professores (ampla e repetidamente denunciada por vários sectores políticos que não o PCP), face a problemas mais graves que afectam a escola e têm maiores implicações para a sociedade em geral do que a avaliação dos professores ou as formas de progressão na sua carreira.
Mas, os professores continuam a incorrer nesse erro, enredando-se na teia em que o Governo já os envolveu quanto à violência nas escolas. Porquê? Porque guiados por sindicatos colados a partidos políticos que rejeitam deslocar a tónica da mensagem reivindicativa da classe para temas mais abrangentes como a denúncia da insuficiente eficácia do novo estatuto do aluno ou para o inqualificável exame de admissão ao exercício da profissão apesar da validação exercida sobre a formação a montante (de cuja avaliação se deveria exigir um maior rigor), questionando indirectamente a qualidade supostamente não aferida da classe em exercício.
Para além da impunidade dos alunos perante as faltas, com evidentes consequências na aprendizagem, cuja avaliação é por sua vez cada vez menos rigorosa, outras causas de defesa da melhoria do sistema educativo poderiam ser apontadas como passíveis de dedicação por parte da reivindicação dos docentes: a qualidade e adequação dos manuais escolares face aos nossos parceiros europeus (veja-se o relatório do Observatório dos Recursos Educativos – ORE – de Outubro de 2007), a decepcionante progressão do nosso sistema educativo face aos objectivos da Estratégia de Lisboa (literacia de jovens, abandono escolar, termo do ensino secundário, aprendizagem ao longo da vida), o desinvestimento na educação especial, a litoralização das competências educativas em detrimento do interior com menos oportunidades e pior desempenho escolar, as condições do parque escolar e a falta de meios, etc., etc., etc.
Face a isto, voltar a sair à rua para pedir à cabeça a suspensão da avaliação dos professores, surge aquém daquilo que a sociedade esperaria hoje do potencial contributivo dos professores para a melhoria da qualidade do sistema de que são uma componente fundamental.
Não quero dizer que outras preocupações não estejam presentes na discussão das estruturas representativas dos docentes com o Governo, mas, a verdade é que não são essas que são entendidas aos olhos da opinião pública como mobilizadoras da classe. E, isso é deliberado e não é bom para o futuro de quaisquer professores.