2008-06-28

O REGRESSO DO PSD À SUA MATRIZ

«O país, já se sabe, não anda bem. Como se diz na gíria, “estamos a divergir da Europa”. Sócrates foi obrigado a uma política de contenção intensa, para controlar “o monstro”. Conseguiu-se que as contas batessem certo, mas a economia real degradou-se, cresceu o desemprego, as coisas pioraram para quase todos. E, quando parecia que havia luz ao fundo do túnel, a economia internacional pregou-nos uma partida. O preço do petróleo disparou para a estratosfera, bem como os preços dos bens alimentares. A inflação já espreita, e portanto o BCE, grande guardião da estabilidade dos preços, já avisou: as taxas de juro podem subir.

Há apenas seis meses atrás, Menezes era líder do PSD e ninguém apostava nele. Sócrates estava à vontade, com o ‘deficit’ controlado e até uma pequena folga para baixar, simbolicamente, o IVA. Seis meses depois, a política deu uma pirueta. Ninguém acredita já em maiorias absolutas, temese o pior cenário, e há quem fale já abertamente de soluções de salvação nacional, como o Bloco Central (PS aliado a PSD), ou uma frente de esquerda (PS aliado ao BE, sem Sócrates). Os ventos mudaram. O ciclone que varre o mundo ocidental, e que leva o petróleo a uma carestia absurda, começa a provocar estragos, que só têm tendência a agravar-se no próximo ano.

Perante este horizonte, Manuela Ferreira Leite anuncia um PSD com “preocupações sociais”, fala nos “novos pobres”, e rejeita as “grandes obras”. O PSD dela vai não só recuperar a “credibilidade” que o partido perdeu com a fuga de Barroso, a balbúrdia de Santana e a tontaria de Menezes, como vai também recuperar a sua matriz tradicional, “social-democrata”.

Social-democrata? Na verdade, devíamos dizer “democrata-cristão”, pois é disso que se trata. Tirando uma breve época de agitação e confusão, após o 25 de Abril, o PSD sempre foi mais democrata-cristão do que social-democrata. É certo que nunca o pôde dizer pois essa era a marca do antigo CDS, mas as suas políticas, de Sá Carneiro a Cavaco, sempre foram mais democratas-cristãs do que sociais-democratas. Num país que tinha vindo de uma ditadura de direita e de uma revolução de esquerda, era oportuno não o assumir, o que revelou a esperteza do PSD. Mas hoje, 34 anos depois da revolução dos cravos, devíamos alinhar as ideologias com a Europa e não fugir delas.

Manuela Ferreira Leite propõe uma conquista do poder pela via da democracia-cristã tradicional europeia. Quer ajudar os pobres, quer o Estado atento ao flagelo social, aos que sofrem. E quer fazê-lo dentro de uma disciplina fiscal apertada. É a receita da democracia-cristã europeia, a ideia de um Estado Providência que intervém e não deixa ficar ninguém para trás.

Com este discurso, Manuela Ferreira Leite abandona o liberalismo que alguns defendiam no PSD, e abandona também o populismo atrevido da linha Santana Lopes. Não quer revoluções nem tontarias. Ao ouvi-la, temos a dúvida sobre se o PSD está ou não a virar à esquerda, mas é apenas uma dúvida momentânea. Nada disso. O PSD está é a recuperar o discurso de um centro-direita mais social, mais caridoso, mais solidário. Um discurso que no centro-direita há muito foi abandonado. O CDS-PP abandonou-o com a linha Monteiro/Portas, e o PSD abandonou-o com Cavaco, Barroso e Lopes.

É certo que os anos 90 foram uma época diferente, mais expansiva, mais ambiciosa, mais capitalista. Contudo, passada a farra e a bonança económica, o centro-direita regressa agora, com Ferreira Leite, a um discurso mais contido, mais solidário, mais preocupado. Longe vão os tempos da libertação, da privatização, da reforma do Estado. Agora, com as sombras que para aí vão no mundo, Ferreira Leite percebeu que o Estado vai ter de voltar a ser porto de abrigo, mão amiga, pilar da terra. Ao estilo autoritário de Sócrates, ela responde com a solidariedade de uma avó que já viveu muito e se preocupa com todos. Pode ser que resulte. ____ Domingos Amaral, Director da revista “GQ”»

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