2007-02-17

MESMO COM A DEMOCRACIA, POUCO MUDÁMOS NOS ÚLTIMOS 30 ANOS.

«Portugal é dos países da Europa que mais recorre à «cunha».
Portugal é um dos países da Europa que mais recorre ao pequeno tráfico de influência ou ao chamado «puxar os cordelinhos» e à «cunha», revela hoje um estudo da European Social Survey 2004.
«Quando perguntado aos portugueses se têm à disposição contactos de familiares ou amigos para obter um serviço que não lhes é de direito, que depois desencadeia um acto ilícito, nomeadamente tráfico de influências, respondem que têm bastantes», afirmou o investigador Luís de Sousa do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e das Empresas (ISCTE).
«De facto, Portugal é o país que apresenta esse nível mais alto», sublinhou. O responsável pela vertente do «Capital Social e Corrupção» revelou também que existe «uma imagem de desconfiança generalizada da função pública com excepção dos países escandinavos».
Portugal insere-se «no grupo que diz que desconfia ou não expressa confiança, o que dá uma desconfiança tácita», explicou Luís de Sousa, justificando esta tendência com «algum nepotismo, favoritismo ou cunha que caracteriza a relação do funcionário público com o cidadão».
O estudo mostra também que os portugueses têm uma visão «mais negativa» da saúde relativamente à maior parte da dos outros países, sendo «mais hipocondríacos» do que a média europeia, constatou Manuel Villaverde Cabral, sociólogo do Instituto de Ciências Sociais (ICS).
Responsável pela vertente de saúde e medicamentos do estudo, o sociólogo explicou que essa tendência não se vê «por irem mais ao médico ou tomarem mais medicamentos, mas por terem um sentimento de felicidade e bem-estar geral bastante negativo».
«Quanto mais negativa é a avaliação da situação económica e política do país, mais negativa é a avaliação do sistema de saúde», disse.
O estudo da European Social Survey foi realizado em 24 países dentro e fora da União Europeia e pretendeu avaliar quais as tendências dos hábitos e dos comportamentos dos seus cidadãos.
Este segundo inquérito, depois do de 2002, foi realizado na Noruega, Suécia, Finlândia, Dinamarca, Islândia, no Reino Unido, França, Alemanha, Áustria, Holanda, Bélgica, Luxemburgo, Suíça, Irlanda, Hungria, República Checa, Polónia, Eslovénia, Eslováquia, Estónia, Espanha, Grécia, Ucrânia e Portugal.
Diário Digital / Lusa 09-02-2007 13:43:37»
É caso para perguntar se ainda alguém se espanta com os resultados obtidos ou se alguém estaria à espera de outros.
É que a matriz cultural portuguesa, tal como de muitos outros povos, especialmente os latinos (europeus e americanos), teima em não mudar, antes acentuando muitos dos seus traços mais negativos.
Tudo isto apesar dos milhares de milhões de escudos e euros que já usámos a convencer-nos que somos modernos, só porque agora vivemos em cidades e antes no mundo rural, porque temos mais que um telemóvel e o ordenado dos próximos meses empenhado à banca devido ao exagero da frequência dos shoppings e ao "renting" do automóvel.

Mas, alguns valores, ao que parece cada vez valem efectivamente menos, havendo mesmo alguns deles que tendem a esmorecer nas escolhas dos portugueses (trabalho, mérito, esforço, ...) em detrimento de outros que se afirmam a olhos vistos: o facilitismo, a influência das relações sociais para influenciar decisões profissionais e conseguir benefícios, a aceitação da corrupção como banal, dos privilégios aos mais poderosos, ...

Veja-se como, na década de 70, Geert Hofstede, o mundialmente conhecido antropólogo de origem holandesa, identificava muitos desses traços como afirmados já no íntimo dos portugueses e de outras nações, culturalmente próximas.
O estudo de Hofstede, Director de Recursos Humanos da IBM, sobre gestão inter-cultural, incidiu sobre atitudes e valores relacionados com o trabalho nas diferentes culturas nacionais e reflectidos nas respectivas estruturas organizacionais, estabelecendo uma serie de índices culturais através de analises estatísticas de entrevistas detalhadas com funcionarios da IBM em 53 países.

Segue-se artigo de Arménio Rego sobre uma das dimensões culturais identificadas, publicado em: http://dn.sapo.pt/2006/03/17/economia/portugueses_machos_femininos.html

«Portugueses: machos... ou femininos?
Somos femininos! Também o são os escandinavos.
A feminilidade é uma característica cultural com implicações para a vida organizacional e societal. Nas sociedades masculinas prevalecem a orientação para os resultados, o sucesso e a competição. Os homens e as mulheres têm papéis bem distintos: o homem deve ser forte, impor-se e interessar-se pelo sucesso material. Da mulher espera-se que seja mais modesta, terna e preocupada com a qualidade de vida. As culturas femininas valorizam o bem- -estar e a qualidade do relacionamento interpessoal.
Espera-se que homens e mulheres sejam modestos, ternos, preocupados com a qualidade de vida, a preservação do ambiente e a ajuda aos outros.
Os dados de Hofstede são claros: Portugal é feminino. Em entrevista à Exame, em 1997, o autor sublinhava:
"Portugal é um país tipicamente latino, pertencendo, por isso, ao grupo mais feminino. No entanto, reconheci imediatamente que os portugueses diferem dos outros países latinos e, ao contrário dos espanhóis, não matam os seus touros. Os portugueses tendem a ser mais simpáticos para as pessoas e são bons negociadores, tentando sempre encontrar uma via pacífica. Por isso, resolvem muitos problemas negociando, e não guerreando."
O recente projecto multinacional GLOBE (Global Leadership and Organizational Behavior Effectiveness) reitera: somos menos assertivos do que a média e os níveis de igualitarismo sexual são superiores à média das mais de 60 sociedades estudadas. Estudos nacionais e internacionais sobre o perfil motivacional português reforçam o dado: somos afiliativos.
Em suma: (1) comunicamos de modo indirecto; (2) procuramos ser "diplomáticos"; (3) nem sempre dizemos o "não" que gostaríamos de afirmar!; (4) valorizamos as relações interpessoais e as amizades; (5) valorizamos mais a boa relação com o superior do que a transparência e a justiça dos procedimentos. Pela vertente mais negativa, somos propensos ao "amiguismo".
E, dado que também valorizamos a "distância de poder", acabamos por reverenciar desmesuradamente as figuras de autoridade e por dizer aos nossos líderes o que eles desejam ouvir! A nossa feminilidade também ajuda a explicar por que os sistemas de recompensa do mérito, ao introduzirem factores "agressivos" de competição e diferenciação, são dificilmente implantáveis e geram, por vezes, efeitos perversos.
Será a feminilidade um "defeito"? Não é. Os países escandinavos são mais femininos do que Portugal e atingiram níveis invejáveis de desenvolvimento económico. E, tal como reflectem os seus elevados índices de desenvolvimento humano (ONU), conciliaram o crescimento económico com uma forte orientação para a qualidade de vida, o equilíbrio social e a qualidade ambiental.
Ao contrário, alguns países fortemente masculinos alcançaram forte crescimento económico, mas acompanhado de grandes bolsas de exclusão social e problemas ambientais acentuados. O facto de sermos femininos não nos torna, pois, menos capazes. Podemos melhorar os índices de desenvolvimento económico sem nos descaracterizarmos.
Do que precisamos é de mais orientação para o rigor, o planeamento e a organização. Necessitamos de premiar o mérito, criando transparência nos processos - para que a inveja deixe de ser uma pecha nacional. Urge criar sistemas de responsabilização individual a todos os níveis, para que a culpa "não morra solteira" e as responsabilidades pelas nossas asneiras não sejam diluídas por entre o colectivo da acção.
Podemos melhorar o nosso desenvolvimento económico canalizando-o para a melhoria da qualidade de vida dos portugueses, num clima de harmonia que evite os focos de distúrbio e as maleitas sociais mais perversas.
Podemos conciliar a competição com a cooperação - gerando coopetição! Afinal, para que serve o desenvolvimento económico se não for acompanhado da realização pessoal e de maior felicidade? O País e os portugueses têm virtudes assinaláveis. Que elas sejam orientadas para a melhoria económica e o bem-estar.»
Segundo os quatro indicadores disponíveis (o 5º só está disponível nalguns países), Portugal é uma sociedade “colectivista” e “feminina”- o que beneficia o posicionamento pretendido e, pelo menos no caso deste último parâmetro, comprova modernidade.
Pelo contrário, os dois indicadores restantes - “distância hierárquica” e “controlo de incerteza” - são francamente negativos: Portugal tem uma estratificação organizacional ainda muito vertical e apresenta neste estudo a 2ª mais alta necessidade de “controlo de incerteza” (revela um verdadeiro pavor dos portugueses face a cenários de incerteza hierárquica, com regras pouco definidas).
Estes dois dados prendem-se com características nacionais que estão na base de alguns problemas estruturais: falta de iniciativa, burocracia, processos estratificados e morosos de decisão, infantilidade e irresponsabilidade (necessidade de alguém acima que manda, a quem se pede, que é responsável).
Parece evidente (só por teimosia não se reconhecerá) que Hofstede, G. (1991), Cultures and Organizations: Software of the mind. London: McGraw-Hill (há uma edição em português) identificou bem (a partir dos inquéritos realizados em Portugal) o que se faz em Portugal no dia-a-dia, para matar o tempo: desenvolver jogadas de bastidores, valorizar a cunha mais do que o mérito, intrigar para que os que nos passam à frente por esforço próprio, inteligência ou dedicação ao trabalho sejam penalizados (nivelamento por baixo), integrar grupos que protejam e distribuam benesses a troco de uma lealdade por vezes cega, para além de bajular os chefes (lamber as botas como se diz na gíria).
Apesar de conscientes desta realidade, ou talvez mais conscientes do que parecem, os portugueses resignam-se a uma matriz que aceitam ser difícil de mudar, pelo enraizamento cultural que evidencia, patente na inveja pessoal que diariamente mina as relações profissionais, com repercussões na produtividade do trabalho e na competitividade das empresas, organizações e da economia, na mediocridade do desempenho profissional que é no entanto premiado devido às relações pessoais de confiança pela ligação a grupos externos à dimensão profissional, pela penalização das relações entre pessoas que não pertençam aos mesmos grupos políticos, deteriorando as relações pessoais, preferindo a lealdade passiva seguidista à competência empenhada e autónoma.
Por tudo isto e muito mais que não conseguimos mudar nos últimos 30 anos, antes acentuámos (desde os primeiros anos do ensino), sofremos e continuaremos a sofrer consequências do nosso não desenvolvimento.
São estes (os culturais) alguns dos factores responsáveis pelas questões organizacionais e procedimentais que impedem a valorização dos fundos comunitários em benefício do desenvolvimento do país.
Não o entender, ou melhor, entender e assobiar para o lado, é comprometer o futuro de todos pensando apenas em cada um, no desenrrascanso individual, no salve-se quem puder e no fechar da porta por quem vier atrás: a negação do princípio da sustentabilidade da sociedade.
Não serão muitos os anos necessários até constatarmos que não haverá mais portas para fechar, apesar de continuarem a existir muitos à procura delas.

Para terminar, mais um artigo sobre o tema, disponível em: http://dn.sapo.pt/2006/01/27/economia/por_nos_tratamos_dr_engo.html «Por que nos tratamos por Dr. ou Eng.º? Uma das características mais visíveis da cultura portuguesa - e certamente da cultura de gestão portuguesa - é a propensão para o uso de títulos académicos.

O uso de títulos (Dr., Eng.º.) é certamente mais praticado em algumas organizações do que noutras, mas, na comparação com outros países da União Europeia (UE), os portugueses são pródigos no uso de títulos. É aliás frequente, nas situações em que se conhece menos bem o interlocutor, colocar um cauteloso Dr. antes do nome. Na dúvida, antes a mais que a menos.

Esta propensão nacional para a utilização dos títulos pode naturalmente ter diversas explicações, mas uma das mais plausíveis pode ser encontrada no monumental trabalho de campo desenvolvido por um sociólogo holandês, Geert Hofstede.

O seu livro Culture's Consequences, originalmente publicado em 1980, é uma obra de referência dos estudos de gestão transculturais.

Neste trabalho, Hofstede tomou a cultura como variável independente ("causadora" de outras variáveis) e procurou analisar as suas implicações para o funcionamento da sociedade e das organizações.

O trabalho deste ex-director da IBM sugeriu que as diversas culturas nacionais podem ser caracterizadas de acordo com um conjunto de quatro dimensões individualismo/colectivismo, evitamento da incerteza, masculinidade/feminilidade e distância hierárquica.

Destas dimensões, a última, distância hierárquica, é particularmente relevante para a resposta à questão que aqui se discute.A distância hierárquica reflecte o grau de deferência que os indivíduos projectam sobre os seus superiores hierárquicos, assim como a necessidade de manter e respeitar um certo afastamento (social) entre um líder e os seus subordinados.

Nos países e regiões de elevada distância (e. g., Portugal, Espanha, América Latina, Ásia e África), superiores e subordinados consideram-se desiguais por natureza. A distância emocional entre chefias e subordinados é elevada. Detecta-se uma grande reverência pelas figuras de autoridade, e atribui-se grande importância aos títulos e ao status.

Ao contrário, em países com baixa distância hierárquica (e. g., EUA, Grã-Bretanha e países não latinos da Europa), a dependência dos subordinados relativamente aos chefes é limitada. Os primeiros não sentem desconforto considerável por contradizer os segundos. Uns e outros consideram-se iguais por natureza.

Nos países com distância hierárquica tendencialmente mais elevada, o uso de símbolos de status representa portanto uma forma de explicitar e de assinalar o reconhecimento das distâncias entre pessoas pertencentes a diferentes escalões sociais ou organizacionais. A distância tende a aumentar a dificuldade de comunicação franca entre líder e equipa.

Por exemplo, observava recentemente um gestor do Norte da Europa expatriado em Portugal que, quando perguntava aos elementos da sua equipa se estavam de acordo com ele, a resposta era sempre afirmativa. Surpreendido com tão consistente e persistente acordo retomou a discussão perguntando se estavam mesmo de acordo ou se estavam a procurar ser obedientes.

A resposta é fácil de adivinhar.

Miguel Pina e Cunha Director de MBA da Universidade Nova de Lisboa»

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