2008-12-10

UMA DENÚNCIA OPORTUNA

Texto de Helena Garrido no Jornal de Negócios:

Quando os "Gatos" brincam com a criação da "Associação de Apoio a Multimilionários que ficaram um pouco menos Multimilionários", como o fizeram no domingo, todos os sinais vermelhos se deviam acender. Os governos europeus andam a brincar com o fogo.

O que se está a passar na Grécia pode ser apenas um episódio. Como foi a revolta de Março de 2006 em Paris. Mas pode não ser. Hoje existem, como nunca, razões de descontentamento. Não porque se está em crise, mas sim porque a crise deixou a nu gravíssimos desequilíbrios de poderes. Uns – vemos, podemos compreender, mas não queremos acreditar – são muitíssimo mais iguais que outros. De tal forma que conseguem deitar por terra todas as convicções sobre as virtudes do mercado.

A "geração dos 600 euros" na Grécia, como em Espanha, em França e em Portugal, tem estado excluída da prosperidade anunciada pelos grandes números das estatísticas e pelos discursos das lideranças políticas europeias, cada vez mais afastados da realidade.

A classe média, que alimentou expectativas de ver os seus filhos progredirem, acaba por se ver defraudada. Como se isso não bastasse, aquela que é a base da estabilidade política e social europeia foi seriamente violentada nas reformas do Estado Social, com a perspectiva de uma pensão de reforma mais reduzida e menos apoios em caso de doença ou desemprego. E como se isso não fosse já de si grave, vai ser agora a principal vítima desta crise económica, apanhada pela ratoeira do consumo sem dinheiro, uma ilusão que tem mantido a classe média a viver no sonho.

O fim do crédito fácil e barato está a fazer cair a classe média na sua realidade, um mundo menos próspero do que pensava, com menos casas e menos automóveis e menos férias. Ao mesmo tempo que lhe cai a realidade em cima, sem compreender, assiste ao desfilar de apoios aos bancos, aqueles que a convidaram a entrar naquela vida virtual que prometiam sem problemas.

E enquanto assiste a anúncios de milhões, que não entende bem, vai ouvindo, em Portugal, mas também noutros países europeus, os líderes dos seus governos a afirmarem que está tudo bem, para pouco tempo depois dizerem que, afinal, está tudo mal e pode ficar pior. Sem que ninguém no Governo tenha a coragem de lhe falar directamente, explicando o que se passa.

Aquilo a que assistimos em Portugal – e também noutros países – revela uma falta de compreensão do papel de quem dirige quando estão pela frente tempos difíceis.

A salvação do Banco Privado Português nunca foi explicada pelo Governo, que resolveu usar como escudo o Banco de Portugal. A nacionalização do Banco Português de Negócios continua a levantar imensas interrogações. Claro que não se pode deixar cair bancos nesta conjuntura. Mas que medidas está o Governo a adoptar para anular os efeitos perversos dos apoios que está a dar?

Depois há a crise. Há pouco mais de duas semanas, o primeiro-ministro salientava que Portugal estava a escapar da recessão. Há três ou quatro dias, já afirmava que vamos ter tempos difíceis. Ontem saíram estatísticas mais actualizadas. Os portugueses, que ouviram aquelas declarações, já estavam a viver tempos difíceis desde, pelo menos, Junho. É desde essa altura que estamos a produzir menos e há menos emprego.

Brincar com o fogo é perigoso.

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