2007-06-29

DÚVIDAS MAIS QUE RAZOÁVEIS

A este propósito, vem a jeito aleitura de Nicolau Santos no site do Expresso, sobre a matéria em concreto: Cem por Cento : Legislação laboral: já chegámos à China?
As recomendações da Comissão do Livro Branco das Relações Laborais aproximam-nos dos países nórdicos – mas indicam-nos o caminho da China. Explico-me. Há um conjunto de medidas propostas que, chame-lhe o ministro adaptabilidade ou flexigurança, decalcam, com as necessárias adaptações, o modelo que regula actualmente as relações laborais em países como a Suécia, Noruega ou Dinamarca – e que Bruxelas recomenda a todos os Estados-membros. Não está, pois, em causa o sentido que fazem algumas medidas para responder aos desafios da globalização, mas, no essencial, aqui como na Europa, o trajecto aponta para a diminuição dos direitos dos trabalhadores conquistados nos últimos 30 anos. Na verdade, de que outro modo podem ser considerados a maior flexibilidade do despedimento individual (diminuição substancial do prazo para a interposição da acção de impugnação do despedimento, alargamento do âmbito do despedimento por inadaptação, aumento dos obstáculos à reintegração do trabalhador mesmo quando ganhe o processo de despedimento), a perda de salário por “fundamentos objectivos”, o corte no subsídio de férias (ao ser expurgado de tudo o que não seja salário base), a redução do limite mínimo de descanso de uma para meia hora, após cada cinco horas de trabalho…? Poder-se-ia dizer: são estes os factores que justificam o nosso fraco crescimento económico desde 2002. Mas exactamente com este enquadramento laboral ou ainda pior, Portugal registou entre 1970 e 1998 uma taxa média anual de crescimento de 2,9%, só ultrapassada pela Coreia, Irlanda e Luxemburgo. Entre 1985 e 1991, o crescimento económico português (valores do PIB a preços constantes de 2000 e ajustados pela paridade do poder de compra) foi de 5,7% contra 4,3% na Irlanda, 3,7% em Espanha, 2,3% nos Quinze e 1,1% na Grécia. A partir daí, tem sido sempre a cair: 2,2% entre 1991 e 2001 e 0,1% entre 2001 e 2005, contra 3,6% da Irlanda, 3% da Grécia, 2% de Espanha e 1,1% dos Quinze. E a grande questão é se estas mudanças garantem maior crescimento e competitividade à economia portuguesa. Não, não garantem por si só esses objectivos, assim como a descida dos impostos sobre o investimento também não os garantem. Mas garantem certamente uma muito maior precariedade das relações laborais, sem oferecer nenhuma compensação aos trabalhadores. E garantem também uma muito maior instabilidade familiar, ao contrário do que diz o ministro Vieira da Silva. Os portugueses são dos europeus que mais horas trabalham. Não é por isso que a riqueza do país aumenta, residindo grande parte dos problemas na péssima organização da sociedade e na falta de lideranças competentes e motivadoras. Mas essas são questões que ninguém sabe resolver. Por isso, um dia destes, mais ano menos ano, algum Governo pensará que bom mesmo é termos as mesmas leis laborais que existem na China, com a miragem de que passaremos a crescer 10% ao ano. Subsistirá, contudo, sempre um problema. É que nós não somos chineses. E gostamos de pastéis de nata. É uma desvantagem brutal.

O curioso e mais sintomático de que o Governo está a abusar e a avançar para além do razoável nunca transgredido por qualquer outro Estado-Membro europeu com melhores condições de suporte social para aguentar o embate, mas que nunca se atreveram a tanto ou que foram obrigados a recuar (ex. França), é que Bagão Félix veio alertar para o excesso e Nicolau Santos, que em tempos defendia algum avanço neste sentido, considera que esta investida é excessiva.

Nicolau Santos, num artigo na edição de 02.04.2005 no Expresso, intitulado “A globalização está a dar cabo de nós” referia que, não há teoria que possa esconder a nudez forte dos factos.
Se o custo médio da mão-de-obra na Europa é de 40 dólares, se esse mesmo custo é de quatro dólares no Leste europeu e de 40 cêntimos na China, não há nenhum ganho de produtividade possível capaz de encurtar este diferencial, por melhor que seja a gestão das companhias e a excelência dos trabalhadores. Só um milagre conseguiria atingir esse objectivo em tempo útil.
A única via, como é óbvio, passa pela redução drástica dos direitos laborais e dos salários dos trabalhadores europeus, ou seja, pelo desmantelamento do designado modelo social europeu - porque esperar que sejam esses mesmos direitos e os salários a subir na China e noutros países asiáticos é uma ilusão, que terminará com a destruição de toda a indústria do Velho Continente. Vejamos o Japão, que começa finalmente a sair da longa estagnação em que caiu. Qual foi o segredo? O abandono do pacto social saído do pós-guerra, que garantia um emprego para toda a vida ao cidadão que entrasse numa companhia nipónica. Ora neste momento mais de 40% dos japoneses ocupam um posto de trabalho a tempo parcial ou a termo certo, três vezes mais do que há um quarto de século. E o desemprego subiu para 4,5%, um recorde para um país habituado a uma taxa de desemprego de 1% ou 2% - mas que, mesmo assim, se pode considerar um resultado excelente para um país rodeado por outros Estados onde o trabalho custa cem vezes menos. Como contrapartida, a Toyota ganha mais dinheiro do que a General Motors, Ford e DaimlerChrysler todas juntas - e em todos os sectores, com excepção do farmacêutico e da aeronáutica, existem pelo menos um ou dois gigantes nipónicos entre os cinco primeiros grupos mundiais. Trocando por miúdos, para se sobreviver na era da globalização há que alinhar os modelos sociais por aqueles onde há menos direitos e onde os salários são mais baixos. Mais: o resultado é a concentração de riqueza num cada vez menor número de megaempresas e o avanço da pobreza e da insegurança profissional à escala planetária.

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