2006-03-02

CONTINUAR A ENTERRAR A CABEÇA NA AREIA? O GUTERRISMO DEIXOU MARCAS...?

Vale a pena ler, pela reflexão induzida sobre as implicações dos próximos (e todos os outros mais) anos das nossas vidas e dos nossos filhos. Por isso se transcreve na íntegra, respeitando a devida referência ao autor.
«Um relatório da Comissão Europeia divulgado esta semana prevê que as taxas de crescimento da União vão diminuir devido ao envelhecimento da população e que Portugal será o país da Europa a 15 a apresentar um maior aumento da despesa pública devido a essa razão (9,7% em relação a 2004). O ministro das Finanças qualificou o relatório de «simplista», entre outras razões porque o relatório pressupõe que não haja mudança de políticas.

Terá alguma razão o ministro. Também há 50 anos, antes da revolução agrícola na Europa, não se poderia de todo imaginar que a esfomeada população do continente pudesse ser alimentada (e com largos excedentes) à custa de um sector que, hoje, não chega aos dois dígitos do PIB de qualquer país da «velha» União Europeia. Pode pensar-se que algo parecido pode ocorrer em relação às pensões de reforma - as regras e as bases da economia a partir da qual se fazem as contas é que terão de mudar.

Mas a minha questão é outra: o problema demográfico que aqui está subjacente é que é realmente assustador. A população europeia está a diminuir e, neste primeiro decénio do século XXI, já iniciou o seu declínio irreversível. A Europa simplesmente já não substitui as gerações. Segundo dados do Conselho da Europa, a idade média do europeu é de 37,7 anos, mais 11 do que a média mundial - e será de 48,5 anos em 2050. Quanto à idade média dos eleitores, aproxima-se já agora dos 50 anos em alguns países da União, tendo em conta o facto dos votos dos seniores serem maioritários a partir de certa altura!

Em muitos países europeus, incluindo Portugal (que não é o pior deles, os Estados de centro e leste estão em situação bem mais complicada), o número de crianças entre os 0 e os 14 anos já é inferior ao dos idosos com mais de 65 anos. O nosso país tem 10,4 milhões de habitantes, mas em 2050 terá menos 1 milhão e 100 mil habitantes (a propósito, aproximadamente o mesmo número que a Rússia perde anualmente). Ou seja, dentro de 45 anos, segundo as contas do INE, haverá em Portugal quase duas vezes e meia mais idosos do que crianças (243 pessoas com mais de 65 anos por cada 100 crianças com menos de 15). Hoje, essa relação é de 106,8. É ou não é assustador?

E que se pode fazer? Claro que só o simples enunciado do problema dá para perceber que esta «bomba demográfica» tem profundas implicações no modelo económico, político, social e até de defesa - com um quadro destes como é que pode falar-se da «potência Europa»? E que tem de haver profundas alterações nas políticas sociais, de trabalho, de imigração. Nada lhe é alheio. Por causa dela, muito daquilo em que hoje assentam as nossas vidas pode ser questionado, senão perdido.

O envelhecimento da população não é um mal em si, pelo contrário, foi uma grande conquista da ciência e da medicina, em particular. Mas há que adequar as sociedades a esse dado novo. E há imensas dificuldades que surgem devido a corpos eleitorais envelhecidos (que se preocupam mais com as pensões de reforma do que com os incentivos à natalidade), mas também do facto das empresas terem sobretudo que dar contas a fundos de pensões. Já para não falar dos problemas relativos à imigração, cuja integração, como sabemos, não está a funcionar, o que levanta delicadíssimas questões de ordem social. E que soluções há para as pessoas terem mais filhos, se os estudos até indicam que os europeus gostariam de ter mais do que aos que têm?

Alguém nos governos europeus já começou a preocupar-se com estes problemas, tendo em vista uma política integrada? Não tenho visto muito. Mas que dá um nó na garganta, isso dá».

Luísa Meireles 14:50 14 Fevereiro 2006

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