O recente caso de ampla visibilidade pública de uma cena de violência na escola, envolvendo alunos e professor, surge num peculiar momento de desgaste político do Governo, de quebra de popularidade do Primeiro-Ministro e de ameaça de uma escalada da contestação social contagiante a outras classes socioprofissionais, depois de mostrada a possibilidade de mobilização de quase toda uma volumosa classe contra o Governo.
O resultado é a dispersão da atenção centrada no Governo, por via da discussão generalizada e amplamente participada em torno de uma situação que não deixa ninguém indiferente, o esgrimir de argumentos que alivia a tensão social e política que se vinha acumulando, a libertação do stress ou da ansiedade colectiva gerada pelas crescentes dificuldades económicas do quotidiano e pela incerteza do futuro.
Ninguém me convence que a chamada de atenção dos meios de comunicação social para um entre vários vídeos (de consulta livre) existentes sobre o tema, não tenha sido propositadamente encenada pelo batalhão de especialistas em propaganda eleitoral que o Governo tem ao seu serviço e cuja acção “terrorista” é bem conhecida da comunicação social e da blogosfera.
Os pais não ficam bem na fotografia, o que se estende a alguns conselhos directivos/executivos pela permissividade consentida desde há muito e, por fim, a escola duma forma mais ampla, onde cai sempre a discussão. No fundo, a culpa é do sistema que, ao longo do tempo foi impunemente permitindo a tolerância à indisciplina, à avaliação pouco exigente, à permissividade e ao laxismo.
Chegados aqui, estamos no mais perigoso ponto da discussão: a culpa do sistema, porque o sistema são todos e não é ninguém, não permitindo por isso esquecer o Governo e os professores.
Ora, o Governo acabaria por sair bem da situação porque o fenómeno não é novo nem desconhecido e poderia acontecido com este Governo ou com outro (PS e PSD repartem entre si a responsabilidade pelo estado da educação em Portugal, como decisores ou como avaliadores: veja-se como Roberto Carneiro foi agora escolhido directa e propositadamente como avaliador das políticas do PS em matéria de educação-formação, repetição do que já tinha acontecido no reinado governativo de Marçal Grilo).
Daí até considerar que boa parte dos professores não tem o perfil adequado ao exercício desta autoridade, foi um pequeno passo, de bandeja para os mais fervorosos adeptos da escola rígida e regrada (privada de preferência).
A vulnerabilidade da classe, que possibilita a implicação na discussão de forma tão directa, decorre em parte da insuficiente legitimação social da acção sindical dos professores (ampla e repetidamente denunciada por vários sectores políticos que não o PCP), face a problemas mais graves que afectam a escola e têm maiores implicações para a sociedade em geral do que a avaliação dos professores ou as formas de progressão na sua carreira.
Para além da impunidade dos alunos perante as faltas, com evidentes consequências na aprendizagem, cuja avaliação é por sua vez cada vez menos rigorosa, outras causas de defesa da melhoria do sistema educativo poderiam ser apontadas como passíveis de dedicação por parte da reivindicação dos docentes: a qualidade e adequação dos manuais escolares face aos nossos parceiros europeus (veja-se o relatório do Observatório dos Recursos Educativos – ORE – de Outubro de 2007), a decepcionante progressão do nosso sistema educativo face aos objectivos da Estratégia de Lisboa (literacia de jovens, abandono escolar, termo do ensino secundário, aprendizagem ao longo da vida), o desinvestimento na educação especial, a litoralização das competências educativas em detrimento do interior com menos oportunidades e pior desempenho escolar, as condições do parque escolar e a falta de meios, etc., etc., etc.
Não quero dizer que outras preocupações não estejam presentes na discussão das estruturas representativas dos docentes com o Governo, mas, a verdade é que não são essas que são entendidas aos olhos da opinião pública como mobilizadoras da classe. E, isso é deliberado e não é bom para o futuro de quaisquer professores.
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