O ano iniciava a sua décima segunda volta, as tempestades faziam transformar o país num autêntico lago, o governo demonstrava um significativo mau estar, o futebol ocupava os tempos de antena com a habitual peixeirada, “Camarate ressuscitava” e fazia tremer a justiça injusta deste país.
Era o fim do ano, do século e do milénio a demonstrar que precisava de mudança, o Partido Comunista agonizava, a guerra entre a ortodoxia fechada e a modernidade aberta, fazia cair cabeças antes do caloroso congresso.
O dono do mundo fazia gastar rios de tinta, enquanto indefinidamente não definia quem seria o substituto do mau, agora bom, Bill Clinton.
Morria-se na estrada, repetiam-se os assaltos nos montes do Alentejo e noutros locais e as discotecas da grande Lisboa dançavam ao som de tiros e as bebidas como que por milagre, transformavam-se em sangue, a ordem passava a desordem e a autoridade demonstrava que estava proibida de fazer justiça. É o país e o mundo que temos! Pensava eu.
Mas aqui, neste Alentejo profundo, neste canto do país lembrado sempre que há eleições, o tempo vai correndo (devagar que não temos pressa) e os homens, estes últimos, continuam a ser iguais a si próprios, a amar o seu canto, a desejar o seu campo e a adorar o seu gado.
Vem isto a propósito da verdade que ainda são os últimos homens e mulheres do campo, aqueles que sofreram com o Estado Novo, que tiveram esperança na “primavera” marcelista, que se entusiasmaram com a Revolução dos cravos, que foram empurrados para o infortúnio da Reforma Agrária.
Por estes homens e mulheres tudo passou, ou por tudo passaram!
O latifúndio por onde gastaram as suas mal pagas energias não deixou de o ser quando também mal pagos, trabalharam para uma reforma agrária que de reforma nada teve. Se eram explorados no antes, também o foram no depois.
É assim o raio da vida! Dizem eles.
As reformas, essas esmolas que os governos lhe oferecem são as mais baixas relativamente a qualquer outro cidadão, uma vez que depois de dezenas de anos a trabalhar, as recebem, iguais ou menores em comparação, às que recebem cidadãos que nada produziram para o bem da humanidade.
Mas mesmo assim, depois das agruras da vida os queimar mais que o sol ardente deste nosso Alentejo, continuam a amá-lo e a trabalhar por gosto.
E foi assim, que no princípio deste último mês de dois mil, quando a tempestade se abatia sobre os campos, o pastor, o único companheiro de algumas centenas de ovelhas, de uma burra e a sua cria e de dois rafeiros alentejanos, enquanto o solo gemia por excesso de água, enquanto os sobreiros se torciam obrigados pela força do vento, ele, mais por amor que por obrigação, encharcado até aos ossos, pegava num borrego que tinha tido o infortúnio de nascer num dia de vendaval e da vida pouco esperava.
A mãe, berrava/balia como que a pedir socorro e têve-o. Uma saca serviu para agasalhar o animal moribundo, que ao colo do pastor ia de cabeça caída.
O Alentejo estava parado, naquele espaço de planície só se ouvia o respeitável som que a força da chuva e do vento provocavam, o rebanho parou, as ovelhas encostaram-se umas às outras para se defenderem da tempestade, os cães enrolaram-se junto ao pé/tronco de um sobreiro e olhando em redor, só se viam movimentar dois seres, os únicos preocupados, a mãe ovelha e o pastor contrariando a tempestade, procuravam a salvação do futuro carneiro.
O monte onde se poderiam abrigar ainda era longe, as botas pesavam e a chuva e o vento travavam o passo do homem que procurava salvar o animal, parecia a acção desenrolada no “Barranco Dos Cegos” de Alves Redol, quando o filho do Relvas e a égua amiga, tentavam livrar-se da cheia do Tejo, como se um toiro das Lezírias, os procurasse com a ponta dos chifres afiada.
Mas enfim, o monte foi alcançado, a esposa do pastor tinha o lume aceso, a saca molhada foi substituída por uma outra seca que foi colocada dentro de uma caixa de papelão, o futuro carneiro foi limpo e metido dentro da caixa que foi colocada junto ao lume, a morte parecia aproximar-se, a mãe ovelha ficou à porta do monte como que à espera que o amigo lhe trouxesse novidades do filho.
No interior da casa, o homem e a mulher, conseguiram transformar aquele espaço num local de recuperação de vidas, que em termos de calor humano, fazia inveja a muitos hospitais para onde os cidadãos despejam dinheiro a rodos, em troca de quase nada.
O pastor enxugava a roupa encharcada ao calor da lareira, a esposa, depois de cuidadosamente ter limpo o borrego, preparava-se para amornar um pouco de leite num biberon à espera que o animal se aproximasse da vida ou a vida dele, o pastor massajava-o, mas a vida parecia não gostar do calor da lareira.
A luta era terrível, mas eles não desistiam, por amor ou por serem companheiros de longa data, ou por terem os dois passado pelas mesmas agruras da vida, “navegavam” nas mesmas águas turvas, à procura de um encontro com esta.
Quase que por milagre, passadas cerca de duas horas, o animal começou a reagir, primeiro levantou a cabeça, depois berrou/baliu como que a chamar a mãe que o aguardava à porta da casa.
A vida de repente encheu aquele animal de energia, parecia tê-lo avisado que o lugar dele não era ali, mas no campo junto à mãe e aos seus jovens companheiros e ás outras mães, bem como junto à burra e sua cria e aos dois rafeiros que eram os defensores do rebanho.
O homem e a mulher sorriam um para o outro, não conseguiam esconder a alegria de estarem na eminência de salvar uma vida.
A mulher, após verificar que o animal reagia pegou no biberon com leite morno e ferrado, ajeitou-lhe a boca e deu-lhe uma leve refeição que ele recebeu com alegria e prazer pelo que se notou pela sua expressão corporal.
O pastor, radiante por ver o animal a recuperar, retirou-o da caixa de papelão, incentivou-o a andar um pouco pela casa e depois foi mostrá-lo à mãe que o esperava à porta.
O encontro foi emocionante, a mãe amamentou com extrema ternura o filho ex-moribundo, mas o pastor, não fosse o diabo tecê-las, fê-lo regressar ao calor da casa.
A mãe ovelha percebeu a intenção do seu protector e numa reacção de conforto e alento, foi descansadamente comer as ervas que despontavam do valado do quintal e depois deitou-se em silêncio à espera que lhe devolvessem o filho, para depois regressar ao seu mundo, ao rebanho.
Eu vi, estava ali, o silêncio foi também meu companheiro, a pesca ficou guardada para o próximo século porque a tempestade me obrigou a “assentar arraiais” num sítio mais seguro com a permissão dos salvadores do jovem futuro carneiro.
A recuperação da vida do animal, deu-nos alento para podermos falar, o homem e a mulher do campo, a quem a chuva e o vento não importunam grande coisa, bastou-lhe ver transparecer vida, para que as suas expressões rejuvenescessem e transbordassem alegria.
As horas de trabalho já iam longas àquela hora do dia, era necessário fornecer energia ao corpo, comer qualquer coisa substancial, porque ali governam outros hábitos e o corpo não é de ferro.
O lume estava aceso, os paus dos chouriços bem preenchidos no interior da chaminé, cruzavam-se com os olhos brilhantes que também os espreitavam.
A faca não perdoou e em segundos uma linguiça estava a grelhar sobre as brasas, a esposa do pastor preparou a mesa enquanto o cheiro nos ia deliciando e a conversa começava agora a despontar quase em simultâneo com o estalar da rolha de um garrafão de tinto também do Alentejo.
Dizia-me o homem, é assim a vida amigo, no campo tem que ser assim! Mas eu gosto disto, sinto-me bem com eles, gosto de os ver crescer, de os baptizar e de continuar a conhecê-los pelo nome, gosto de os ver brincar e de começar a marcar o seu terreno, gosto de os ver à marrada quando começam a pensar que já são adultos. E depois, os escolhidos para reprodutores, gosto de os ver tornarem-se imponentes e demonstrarem que são os senhores do rebanho.
Eu tinha sido convidado, estava ali obcecado com o que acabara de ver e perguntei-lhes, como se sentem aqui neste quase deserto? Como vivem aqui todos os dias e todas as noites, apenas com os animais, o lume e a televisão?
Sentimo-nos bem! disseram-me.
Apenas sentimos saudades dos nossos filhos e dos netos, os filhos não quiseram ficar por aqui, disseram-nos que precisavam de viver, de conhecer outros mundos, de estudar mais e de procurar outra vida para os filhos, melhor que aquela que nós lhes pudemos dar, os estudos deles aqui, foram até ao possível, mais não podíamos ter feito. Mas felizmente eles entendem isso..
Só vêm quando podem, um está em França, o outro está para a zona de Lisboa, ela conheceu um homem do Norte e foram viver para a terra dele.
Estão todos bem, mas nós não podemos sair daqui para os visitarmos porque temos os animais do patrão e também os nossos, eles precisam de trato e de companhia.
E os netos, os netos amigo! Esses, não nos deixam dormir, a saudade é imensa, gostávamos de os ver fazer diabruras, nem isso conseguimos, mas é a vida, é a vida, que lhe havemos de fazer?
Qualquer dia, quando os pés nos começarem a pesar, vamos para o bairro junto à cidade, (Évora) onde conseguimos comprar um terreno e construir uma casa que ainda gostaríamos de habitar alguns anos.
Por enquanto ficamos a aguardar que o Alqueva nos traga novidades para que possamos melhorar a nossa vida. Vamos ver, vamos ver amigo…o que isto vai dar…
Começou a tornar-se tarde, na pesca nem valia a pena pensar, a hora aproximava-se do almoço, a conversa prolongou-se e o casal fazia questão que eu ficasse para almoçar, a senhora insistia que iria sair um cozido à moda da casa, mas eu tinha que partir antes que a viatura de estrada não fosse capaz de sair de algum abismo que inesperadamente lhe aparecesse naqueles caminhos de terra batida.
Já tínhamos falado muito sobre a vida nos campos, os assaltos, o ordenado baixo o isolamento do mundo e da família, mas nunca reconheci na expressão daquele casal sinais de tristeza ou de revolta com a vida, o que interessava era a saúde, o trabalho e a paz. O resto logo se veria…
Despedi-me destes que eu considero uns dos “últimos heróis”, que ainda sobrevivem neste nosso Alentejo, os apontamentos enchiam-me o cérebro depois de algumas horas a presenciar aquele extraordinário espectáculo de humanidade, no carro reforcei os que considerei mais importantes e passei-os para o papel, para não esquecer este dia e depois parti.
Seis anos depois, o reencontro.
Passaram os tempos e a vida vai-nos fazendo partidas, a pesca apesar de ser um momento de descompressão, não consegue ultrapassar as necessidades de uma vida moderna obcecada pelo tempo, pela hora, pelas necessidades de cumprimento dos indesejáveis ou desejáveis valores ou objectivos do mundo actual, voluntária ou involuntariamente, somos forçados a seguir regras culturais ou sociais, que por vezes até nem conseguimos explicar.
Mas a vida não pára, os Homens são mesmo assim, não temos que parar e sem querer, neste deambular de vidas, acabamos por nos encontrar.
Quase seis anos depois, quando deambulava pelos arredores da cidade, encontrei o homem que tinha salvo o borrego, laborava na terra onde tinha construído a casa de que orgulhosamente me tinha falado, naquele dia inesquecível de chuva e de salvação de uma vida, a do borrego.
Reconhecemo-nos imediatamente e ele disse-me: amigo, como lhe tinha dito, tivemos que partir, veio-nos a reforma mesmo escassa e decidimos abandonar o campo, vendemos as ovelhas e a burra, ficámos apenas com os dois companheiros, os nossos rafeiros que também já vão sentindo a idade mas não perderam o carinho que sempre tiveram por nós e como paga, para eles não sentirem a falta das companheiras, trouxemos-lhes seis ovelhas que eles defendem ainda com fervor.
Quis que eu entrasse para cumprimentar a esposa tendo esta demonstrado como há seis anos atrás, a sua extrema simpatia.
A primeira conversa foi sobre o célebre borrego que com alegria, descreveram como um animal que se tornou imponente, bem armado de cabeça e chefe dos reprodutores, deixaram-no com pena já bem adulto, mas não puderam evitar a partida.
Fiquei embevecido com a recepção, falaram-me dos filhos, dos netos, da sua maior e mais fácil proximidade e abriram-me a casa e a mesa, foi um reencontro maravilhoso que se tem repetido nestes últimos tempos.
Como se aprende com os que dizem incultos! Que triste incultura, alguma cultura, que se vende e cara!
Ficou-me interiorizada esta história real dos homens e mulheres do campo, dos animais e da terra, e muito em particular deste casal, deste homem bom e desta mulher boa, que depois de os voltar a ver e conviver com eles, apeteceu-me voltar ao local onde os tinha conhecido.
O milénio estava quase a começar quando isso aconteceu, quando os vi pela primeira vez. Hoje, voltei a pegar na cana de pesca e no livro de apontamentos e quis ir ver, reconhecer o velho monte e o espaço onde tinha estado, agora que a roda do tempo está quase a acabar a sua sexta volta e esta quase a terminar a sua décima primeira jornada.
No caminho, como anteriormente, (seis anos se passaram) meditei sobre o meu país e o mundo, e os homens “loucos” que o comandam, interroguei-me como se prendem policias e se soltam ladrões, como se fazem experiências nucleares quando os senhores do mundo dizem ter um projecto para a paz, como se desconta tanto dinheiro para a saúde e educação e somos tão mal servidos, como há uma comissão de análise da função pública que ganha balúrdios para a analisar vindo não sei de onde, deixando o trabalho incompleto mas concluindo que os males deste país advêm dos chamados funcionários públicos.
Mas outros há que recebem democraticamente quantias chorudas (não ordenados) provenientes dos impostos que todos pagamos, nunca sendo culpados de nada, é a isto a que chamam democracia, ia eu pensando.
Antes de chegar ao velho monte, ia já a minha mente com uns laivos de extrema alegria, e consegui mesmo colocar-me a pensar que o nosso país vai ficar melhor, vai sim senhor!
Acaba-se com os funcionários públicos de seguida com os professores, com algumas maternidades e alguns hospitais, fecham-se as escolas, constroem-se mais campos de futebol, retiram-se os medicamentos financiados pelo Estado aos doentes velhos e novos, aumenta-se o ordenado de alguns médicos não os que trabalham mas os que estão mais perto da sua ordem, regressam as férias grandes dos senhores juízes e aumentasse-lhes também o seu mísero ordenado, renegoceia-se com alguns bons administradores e aumentasse-lhes também os insuficientes ordenados, sem querer saber quantas empresas eles levaram à falência, fecham-se alguns lares para os idosos deixarem de fazer despesa na Segurança Social, as viaturas do Estado passarão a andar mais na rua ás compras com as senhoras de alguém, ou noutras andanças, por conta do grupo dos chamados bons cidadãos deste país.
Assim, o Senhor Engenheiro Sócrates conseguirá na posteridade, tal como o papá do Bill, fazer enormes palestras sobre o seu grande trabalho neste país á beira-mar sepultado.
Parei e reparei que tinha estado por algum tempo a sonhar e voltei à realidade que ali me levava antes de começar a azáfama da pesca.
Retrocedi no tempo e depois de meditar algum tempo, ainda acreditei que de facto a História se repete.
Há seis atrás, a chuva era torrencial, o campo estava completamente alagado, as cheias atrofiavam a vida das pessoas, a justiça (não a dos tribunais) também parecia tal como agora, fazer renascer o mistério de Camarate, os assuntos do futebol choviam na comunicação social, hoje assim acontece, alguém parece ter lidado com algum dinheirinho como quem não quer a coisa, o partido comunista anda outra vez de candeias ás avessas, continua a morrer-se na estrada, os desempregados aumentam, os idosos continuam a ter uma reforma que lhes dá nem para medicamentos, os servidores públicos que não são funcionários públicos, continuam a receber chorosas maquias e o país em que eles mandam (mal) continua sem levantar-se mesmo com toneladas de cifrões enviados de Bruxelas e que se bem aplicados, poderiam tornar este rectângulo de alguns, num paraíso para todos.
Tornava-se já uma tarefa difícil, deixar estes pensamentos, estas revoltas, este condenar de injustiças.
Mas não podia deixar de levar a cabo a observação que para além da pesca me fez deslocar algumas dezenas de quilómetros. Parei para me certificar que me encontrava exactamente no mesmo local onde tinha estado no final do último século e milénio, as diferenças eram significativas mas o local era de facto o mesmo.
O espaço onde encontrei o rebanho e presenciei a cena de recuperação da vida do borrego, está já todo vedado a arame farpado a espaços bem curtos e no interior da vedação lá pastam como antes, as centenas de ovelhas mas não se avistam nem burra, nem cria, nem rafeiros alentejanos e muito menos o homem alentejano.
O monte está rodeado de ervas, a rua do mesmo que se encontrava limpa, bem varrida, já não se reconhece como tal, as paredes parecem ter chorado ultimamente porque o seu telhado foi alvo de vandalismo, as telhas estão retiradas, partidas, deixando de fazer a sua real função.
No fundo vim reencontrar um espaço que se transformou completamente. Transformou-se num lugar triste, desolado e sem vida.
O aumento da produção e da produtividade transformaram a relação de homem rebanho, numa outra forma substancialmente diferente.
Outros homens, outros trabalhadores, de outras partes do mundo, estão hoje ligados ao velho rebanho, visitam-no de tractor, de moto quatro, de jipe, mas a relação do homem com o animal, essa ternura que eu presenciei há meia dúzia de anos, já não se sente ali.
Depois desta observação, parti com alguma tristeza rumo ao local de pesca onde passei por vários montes alentejanos verificando que já são raros os nativos que ainda por ali se vão vislumbrando. Os que existem, na sua grande percentagem, já estão na última etapa da sua vida.
Não seria tão preocupante o que acabei de verificar se este êxodo fosse fácil de fazer recuar, ou se o mesmo acontecesse em pequenas percentagens do nosso Alto e Baixo Alentejo, mas não é assim, os Alentejanos estão a partir, ou já partiram, porque a História assim o demonstra, a economia, a política, a educação, a segurança social, o isolamento, a exploração, obrigaram-nos a partir.
Eram eles e ainda são os que restam, que percebiam e percebem, entendiam e entendem, este nosso campo, este nosso espaço, este nosso clima, que defendem e seguram esta nossa forma de estar e de ser, sem eles o Alentejo passará apenas a ser terra e água subaproveitadas que lentamente se aproximam do deserto.
Hoje outros trabalhadores que certamente partiram dos seus países por razões idênticas ás que fazem partir os alentejanos, estão a desempenhar funções nos campos do Alentejo, como sabem, como podem, como lhes ensinam ou ordenam, mas qualquer emigrante, pelo que se houve, espera melhores tempos para regressar ao seu país de origem, para encontrar a sua família, para voltar ao seu espaço natural e certamente quando isso acontecer, os nossos governantes e as classes com grandes interesses económicos no Alentejo, irão pensar porque não pensaram, irão reflectir fora de tempo porque não criaram condições aos seus para se desenvolverem como trabalhadores e pessoas, usufruindo de uma vida mais digna?
Posso estar completamente enganado, mas o tempo me dirá e não vai ser longo certamente, que “estes últimos heróis” ainda irão ser chorados, porque quando os países de Leste e Africanos tiverem o bom senso de acabarem com as guerras de vária natureza que externa e internamente os envolvem e comecem racionalmente a aproveitar a riqueza que têm, ocorrerá outro êxodo, estes emigrantes que hoje à falta de melhor, se vêem obrigados a ser os substitutos dos alentejanos, partirão e aí sim, naturalmente, uma reforma agrária não política mas natural, ou social, de sobrevivência, ou sabe-se lá como a vão apelidar, irá ocorrer.
Para a História, ficarão muitas Histórias…, incluindo muito especificamente e especialmente, a história que deveria ser bem escrita e bem contada, mas que não interessa certamente a muita gente, sobre o que foi a Reforma Agrária de setenta e cinco, todo o seu processo, o seu princípio meio e fim, este em tempos já anunciado, mas que certamente ainda irá fazer correr muita tinta e muitos Euros.
Os últimos heróis e os outros que ainda são também alentejanos, imitando os Americanos relativamente aos índios, como aliás sempre se tenta fazer neste país, por ordem do governo que por esses tempos des/comande, irão ficar junto ao Alqueva numa zona designada de reserva, para que, os turistas de qualquer nacionalidade, a partir da relva que certamente é para o que vai servir a água que tanto se esperava para a agricultura, os possam ver através da vedação que não faltará não para evitar que eles fujam mas para manter segura a verba que os mirones irão pagar para verem esta espécie em extinção.
Mas já agora, em jeito de aviso aos futuros candidatos a governantes deste país, quando esse tempo chegar, digo-vos.
Cuidado porque mesmo alentejanos, andando devagar, se não se apressam a fazer a reserva, como eles continuam a pensar, qualquer dia não está cá nenhum.
E depois? Que fazem os senhores? Para fazerem dinheiro com os bilhetes para a visita à reserva, que lhes dará sustento e espaço económico para passearem no Estoril e noutras andanças da estranja?
Tenham cuidado… não tenham que recorrer a alguns desses falsos alentejanos que fizeram ou mandaram fazer alguns montes nestes campos ardentes, pois poderão ter que fazer mesmo isso.
Mas atenção! Os turistas têm dinheiro e cérebro e não pagarão bilhetes para ver falsos alentejanos.
Enquanto acabo de escrever sobre a preocupação que tenho com o meu Alentejo e estas minhas gentes que ainda resistem no seu interior, julgo poder concluir que a máquina política é a culpada deste prolongar de sistema que obriga ao êxodo de pessoas a quem se deveria dar condições de vida suficientes em todos os aspectos para se sentirem bem consigo próprios e com os outros.
Acabo de ler uma entrevista dada por uma mulher que eu e certamente muitos portugueses admiram, Dulce Pontes e transformo as palavras dela naquilo que eu penso e queria dizer.
“Tem que se furar esta merda deste sistema. Peço desculpa mas não pode ser desta forma. Desta forma eu não aceito. Preocupa-me o meu povo, o meu país. A vida pertence-lhes caramba!”
Évora 31 de Novembro de 2006.
Francisco Martinho
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