2010-09-27

OS SALÁRIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA SÃO A SOLUÇÃO PARA EQUILIBRAR AS CONTAS PÚBLICAS?

Durante os 6 anos deste 2º ciclo de governação socialista, a despesa pública sem juros do subsector Estado cresceu continuadamente (hoje, estima-se em 37 M€ por dia), ao contrário do ritmo de crescimento da economia, que é nulo, contribuindo assim para que o défice disparasse para valores nunca antes conhecidos.

Incapaz de executar com sucesso as reformas prometidas (como a da organização e funcionamento da Administração Pública) e pressionado pela ausência de resultados do PECII que a recente execução orçamental evidencia, o governo denuncia a preparação do terreno para chantagear os funcionários da Administração Pública (AP) com a retenção/anulação (ou pagamento em títulos do tesouro) do 13º mês, a troco da não redução de salários no Orçamento de Estado de 2011. Tudo isto, tendo por pano de fundo a ameaça do papão do FMI, que a comunicação social vai alimentando, a reboque ou a pedido do governo, que dramatizará até à exaustão a urgência da medida.



Do ponto de vista dos efeitos económicos e financeiros, o corte do 13º mês apenas agravará os sérios problemas que temos, como o desemprego, o endividamento das famílias, o crédito malparado, sem resolver de forma sustentada os problemas que afectam as finanças públicas (endividamento público e crescimento do défice) ou da economia nacional, ao reduzir abruptamente o rendimento disponível das famílias num período tradicionalmente festivo.



Do ponto de vista da legitimidade moral, não se encontra qualquer sustentação plausível para que se ouse pensar em tal medida, pois se a mesma poderia ser admissível em situação de recurso e esgotado todo um leque de soluções experimentadas antes, sem sucesso, a ausência desta tentativa limita qualquer margem à sua aplicação. Na verdade, estão por experimentar todas as outras soluções que, não só estruturalmente mais adequadas e prioritárias, são também mais justas e, por isso, só a incapacidade governativa do PS justifica a sua ausência de ensaio.




A redução de salários na Administração Pública só se justificaria se o Governo, em vez de alimentar o “monstro”, já tivesse mostrado coragem e responsabilidade governativa para:

  • Travar o endividamento das empresas públicas financeiras, que cresceu 10% em 2009 e já atinge mais de 17.000 M€, sem contar com as 77 empresas públicas não financeiras (incluindo os hospitais EPE) que completam o Sector Empresarial do Estado;



  • Controlar a criação de novas empresas públicas (+20% entre 2007 e 2009), o crescimento do número de gestores públicos (+19% entre 2007 e 2009) e dos seus salários (+19,4% entre 2007 e 2009), cuja alimentação decorre de uma receita fiscal que se revela cada vez mais insuficiente. Dos 4 países em graves dificuldades financeiras na U.E., só Portugal não tomou medidas para racionalizar o sector público e controlar a sua despesa, desvalorizando o exemplo dos nossos vizinhos espanhóis que logo em finais de Abril prepararam um plano de eliminação de 29 empresas públicas (1/3 das 107 existentes), 15 sociedades mercantis, a maioria das fundações e de 32 altos cargos de responsáveis de ministérios como medida para diminuir a despesa pública, melhorando desde logo a imagem espanhola nos mercados financeiros internacionais;



  • Cortar nos organismos públicos redundantes e parasitários, cuja extinção em nada afecta o que é essencial para os cidadãos, dada a sua sobreposição numa rede pouco racionalizada e responsável por uma grande fatia da despesa pública: 356 institutos públicos, 639 fundações, 343 empresas públicas municipais e 87 parcerias público-privadas, para além das estruturas criadas “à medida” dos boys socialistas dentro da própria Administração Pública;
  


  • Corrigir o descontrolo na admissão de novos funcionários para a AP, tanto ao nível central (gabinetes ministeriais, direcções gerais e serviços autónomos), regional (Governos Civis) e local (mais de 10.000 admissões para as autarquias, só em 2009);


  

   

  • Terminar com a prática de arrendamento do património imobiliário público antes vendido, passando o Estado de proprietário a inquilino, como acontece com os estabelecimentos prisionais, departamentos de investigação criminal, esquadras e serviços das forças de segurança, agravando a despesa pública em milhões de Euros com as elevadas rendas anuais;


  • Responsabilizar pessoalmente os decisores (incluindo membros do Governo) que lesam o erário público através do pagamento de indemnizações pela anulação de concursos cujo lançamento deveria ter sido acautelado (ex. da anulação do concurso do TGV, enquanto o concurso para construção do novo Hospital Regional de Évora continua no papel), a exploração do terminal de contentores de Alcântara, em Lisboa, com envolvimento de ex-governantes agora ao serviço de construtoras, negócio denunciado pelo Tribunal de Contas. Já não falamos no que poderá vir das indemnizações pedidas por Carlos Queiroz que poderão decorrer do inacreditável processo de despedimento, a pagar pelo contribuinte, sem responsabilidade para o Secretário de Estado do desporto ou para a Direcção da Federação Portuguesa de Futebol; 

  • Afinar o funcionamento dos serviços fiscais, cuja inércia permite a prescrição da dívida fiscal, atingindo valores superiores a mil milhões de Euros só entre 2006 e 2008;





  • Limitar as “milionárias” reformas de alguns sectores da Administração Pública e a sua acumulação com outros cargos, nomeadamente de natureza governativa (ex. de ex-vereadores de Câmaras Municipais) do PS;


A lista de acções a empreender pelo governo para diminuir substancialmente a despesa pública continuaria por largas páginas, enunciando medidas que outros Estados-Membros da União Europeia já tomaram, como a redução de 15% do vencimento dos governantes espanhóis (numa proporção 3x superior à redução salarial que impuseram aos restantes funcionários públicos), ao contrário do “faz-de-conta” do governo socialista português, cujo corte dos salários em 5% deixou de fora 70% do universo ao qual diz aplicar-se.



Alguns analistas lançaram recentemente a tese de que este governo estará empenhado em delapidar as finanças públicas para que, na situação de perda que possa ocorrer nas cada vez mais prováveis eleições legislativas em 2011, um futuro governo do PSD se veja aflito (e drástico) na tarefa de equilíbrio das contas públicas, colhendo benefícios da consequente rejeição dos portugueses que suspirarão pelos socialistas novamente. Trata-se, no fundo de uma “remake” de 2005, com as consequências que todos conhecemos, restando a esperança de que o PSD tenha aprendido a lição sobre o pântano que encontrou e consequente desaire na gestão do mesmo e não volte a repetir o erro de andar com governos incompetentes ao colo. Como diria António Vitorino, um socialista, são demasiado pesados para o que valem, que neste caso está à vista.

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