2010-09-06

APAGAR FOGOS QUE NÃO DEVERIAM ARDER

Em meados do Agosto que agora finda, poupados no Alentejo pela crescente desertificação física e pelo atraso no início da época de caça, assistimos ao desespero das gentes do norte e centro, a braços, com fogos florestais sufocantes que tudo varreram, incluindo várias vidas humanas. Os ministros responsáveis (dos poucos que conhecemos deste governo), logo nos entraram em casa no nobre horário televisivo para justificarem que ainda não tínhamos chegado à área ardida em 2003 e 2005 e, por isso, poderíamos dormir descansados que, a providencial governação socialista não fazia prever que tal acontecesse, dada a experiência adquirida noutras previsões falhadas: desemprego, défice externo, despesa pública, etc.


Confesso que não consigo recordar em pormenor se os referidos anos geraram mais ou menos ondas de calor que o presente ano e qual a intensidade das mesmas, mas, o discurso do governo induzia a pensar que, hoje, há mais meios de combate aos incêndios que nos anos anteriores, facto que as próprias corporações de bombeiros se encarregaram de questionar desde logo, devido aos incompreensíveis e injustificáveis atrasos no processo de aquisição de viaturas, que se arrasta pelos últimos 3 anos.

É difícil acreditar num Governo tão “simplex” há quase 6 anos, que diz não conseguir adjudicar a aquisição de 95 viaturas para os bombeiros devido à burocracia da contratação pública, a mesma que tantas vezes já contornou para a contratação directa de serviços a tantos prestadores amigos, especialmente em ano de repetidos actos eleitorais como aconteceu em 2009 (já nem falo no mais que vergonhoso processo Magalhães). Por falta de disponibilidade financeira também não parece ser, pois o governo até prefere gastar em 2010 os 546 M€ forçadamente cativos/poupados por alguns ministérios em 2009 do que reduzir o défice em 0,3%, como se não houvesse urgência disso à luz da imagem de responsabilidade que quer passar junto das agências financeiras externas. O pior é que essa “poupança” se esfumará nos vencimentos dos nunca tantos assessores de gabinetes ministeriais, sem qualquer utilidade para o reforço no combate aos fogos (apenas 13 M€ para as 95 viaturas) ou para a construção de algum novo hospital (alguém sabe algo novo sobre o prometido hospital regional de Évora?).


O Secretário de Estado dos fogos, puro exemplar da acumulação de pensões políticas com os vencimentos de exercício de outras mesmas, lá inventava argumentos nas televisões para desculpar um governo que pretende fugir a todo o gás da despesa eleitoralmente menos rentável, secundando o Ministro da Administração Interna. Depois desapareceram das TV´s os protagonistas desta área governativa e entrou em acção mediática o Ministro da Agricultura, fugindo a um balanço dos fogos.

Compreende-se a estratégia. Na verdade, independentemente dos meios de combate aos incêndios, há, uma avaliação da responsabilidade do Governo que deve ser feita a montante dos mesmos e que é a da gestão da floresta, que estando agora a arder, procura o Governo a todo o custo evitar discutir. Sem descurar o encerramento de postos da GNR, escolas, centros de saúde e vários outros serviços públicos que os governos do PS aceleraram desde 2005, com evidente desertificação física e humana do meio rural, haverá ainda que recordar de uma vez por todas a incúria e negligências de que o anterior Ministro da Agricultura fazia gala, e atribuir-lhe as respectivas responsabilidades aos seus criminosos actos para o mundo rural.



A retirada de autonomia aos serviços florestais do Ministério da Agricultura, o esvaziamento de meios técnicos e humanos conducentes ao seu desmantelamento, a desvalorização da urgência na elaboração de planos regionais de ordenamento florestal, o arrastamento da criação das zonas de intervenção florestal, os inexplicáveis atrasos na execução do PRODER, conduziram, durante 6 anos, por opção consciente do governo, a uma acumulação de material combustível na floresta portuguesa que contribuiu, em grande medida, para o reacender da força devastadora dos fogos florestais em 2010.


Como em todas as restantes áreas, para um governo que pretende a todo o custo conservar o poder e que vive da enganadora imagem fabricada, a prioridade deixou de ser a prevenção dos incêndios florestais por via da gestão e ordenamento da floresta.

Ao contrário, ela deu lugar à criação de um dispositivo de combate dos fogos que pareça mais eficaz, sacrificando assim milhares de hectares e bens patrimoniais do país que ardem entretanto, porque é eleitoralmente mais rentável a imagem televisiva dos meios aéreos de combate aos fogos, mesmo que alugados a entidades particulares por verbas exorbitantes, do que investir os mesmos recursos financeiros na prevenção dos incêndios que poderiam não ter deflagrado.

Quando se governa exclusivamente para a imagem, o lema parece ser o irresponsável “deixa arder” mas, só os que não têm culpa se queimam.

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