2006-04-21

TÍTULOS PERIGOSOS! Alguém devia já ter clarificado ...

O défice de qualificação da nossa população activa é bem conhecido de todos: bastante superior ao dos restantes países da UE e da OCDE, tal como atestam as estatísticas periódicas dos mesmos. Perante tal evidência consensualizada, como é possível que se permita que a comunicação social interprete abusivamente (isto é, oportunamente do ponto de vista comunicacional) as conclusões de um estudo sobre os resultados da formação profissional em termos de empregabilidade, sem que alguém venha a terreno esclarecer como estão erradas a induções construídas a partir de conclusões telegráficas?
Tenho dificuldade em aceitar como supostamente verdadeiros (porque publicamente apresentados e não contestados) os títulos de notícias que levam os jovens, adultos, empregados e desempregados deste país a julgar que não vale a pena apostar no aumento das suas qualificações, quando sabemos que:
  • O desemprego continua ainda assim a afectar mais os que se situam nos escalões mais baixos de qualificação;
  • Os detentores de qualificações dos níveis superiores tendem a estar menos tempo na situação de desemprego, aproveitando mais facilmente as oportunidades induzidas pelos ciclos de recuperação da economia.

É muito perigoso permitir (passivamente) fazer crer que, em Portugal, a formação profissional não garante emprego e que é inútil para quem a frequenta, nomeadamente na óptica da procura de emprego e da redução do tempo de permanência no desemprego.

Por dever de consciência, permito-me fazer aqui um exercício hipoteticamente explicativo dos resultados brutos do estudo, os quais ampliaram (não correctamente) vários órgãos de comunicaçao social, tendo em conta que se trata apenas de um exercício explicativo, sujeito a contestação séria e fundamentada (não em conversa de seminários para preencher curriculum, em títulos académicos para progressão na carreira ou idiotice politiqueira). À séria mesmo.

O perfil do formando-tipo do estudo revela um público adulto e feminino, que vive acima do Tejo (povoamento urbano e certamente metropolitano), a que se deve juntar o facto de deterem qualificações ao nível do ensino superior, de onde decorrem várias hipóteses de explicação do desajustamento entre a formação recebida a (falta) empregabilidade imediata:

  • São adultos os ex-formandos porque terminam as licenciaturas e mestrados cada vez mais tarde (porque os fazem de seguida), sendo mais tardia a sua entrada no mercado de trabalho;
  • Muita da formação de base (ministrada pelo IEFP) aos casos em que o inquérito revela dificuldades de inserção no mercado de trabalho foi dirigida a este tipo de públicos ao abrigo dos programas Fordesq e FAQ (Formação de Activos Qualificados);
  • São as mulheres que mais frequentam as licenciaturas que maiores excedentes têm gerado no mercado de trabalho (ciências sociais e humanas, direito, …), com proporções cada vez maiores face aos homens (entre 60% a 70%);
  • Uma boa fatia deste tipo de público é portador de licenciaturas via ensino (daí a resposta de que a formação recebida não tenha contribuído em nada para encontrarem emprego), que foram obrigados(as) a frequentar uma formação cuja filosofia foi à partida mal definida (numa lógica de reconversão de qualificações longas para outras profissões, em pouco tempo, sem resultados, como pode comprovar-se em boa parte dos casos, nomeadamente no caso dos públicos apetrechados com formação para ensino);
  • A formação dirigida a licenciados desempregados foi sempre mal encarada pelos seus destinatários e apenas legitimada nos casos em que os mesmos estavam a receber subsídio de desemprego (obrigados a ir para a formação). Como o subsídio de desemprego tinha sido conseguido há pouco tempo e como a formação profissional suspende o subsídio de desemprego sem queimar o tempo atribuído inicialmente, finda a mesma formação, foi retomado o subsídio pelos destinatários, até ao final, sem perigo de o perderem em consequência de oferta de emprego compatível (a qual apenas se aplica no caso de docência, situação que não aconteceu até aos novos concursos de ingresso no Ministério da Educação);
  • A falta de experiência dos recém-licenciados também não ajuda a, num momento de recessão do mercado de trabalho, encontrar emprego, mesmo que seja depois de frequentar formação profissional que não era complementar, como se viu atrás (apesar de adultos, muitos são candidatos a primeiro emprego ou pouco mais que isso: pouca experiência de trabalho e, quando tal acontece é na área do ensino, o que não é relevante para o mercado de trabalho, ele próprio também cada vez menos empregador de forma estável – esta é uma variável não clarificada suficientemente aqui, continuando a falar-se em emprego e não em trabalho, desprezando coisas como a empregabilidade por conta própria, que deveria traduzir expressões mais notórias do que acontece, confirmando mais uma vez o peso das licenciaturas de via ensino);
  • Como a frequência de formação para encontrar emprego era a principal motivação, segundo o estudo, perante o desajustamento existente entre a oferta e produção do sistema de ensino superior e do mercado de trabalho, há uma maior incidência do tipo de resposta que procura estabelecer a relação de causa-efeito entre a formação e a empregabilidade;
  • Há um grande acomodamento e fraca propensão à mobilidade geográfica (a falta de emprego na área de residência é apontada como dificuldade de empregabilidade por 28%), a que se pode juntar a falta de experiência (dificuldade apontada por 13%), os quais, somados, são muito mais importantes e justificativos (41%) do que a falta de emprego na área do curso, confirmando em parte algumas das hipóteses aqui avançadas para explicar a situação;

Daqui decorre que a formação avaliada não coincide totalmente com a que é ministrada regularmente nos Centros de Formação Profissional do IEFP, de carácter técnico, em estreita cooperação com o tecido empresarial, dirigida a áreas de identificada carência no mercado de trabalho e com elevado grau de empregabilidade. Os resultados menos positivos do estudo referem-se precisamente às áreas profissionais em que a formação ministrada é mais curta, mais ligeira e menos qualificante de base.

Tal não significa que ensinamentos não haja a retirar para incrementar níveis de eficácia da oferta formativa do IEFP, nomeadamente no que respeita a uma aposta de maior incidência na informação e orientaçao profissional aos jovens do ensino secundário, mais orientada pelas perspectivas de empregabilidade futura (oferta de trabalho pelo mercado) do que pela rejeição da matemática enquanto provocadora de insucessos.

No que toca aos que já estão qualificados, afigura-se por enquanto válida a máxima de que não há licenciados a mais mas sim um crescente desfasamento entre a oferta de cursos e a oferta de trabalho, o que , como é sabido, não é da responsabilidade do IEFP, mas sim das Universidades, cuja autonomia tanto reivindicaram: é altura de mostrarem e assumirem o significado de tal terminologia e entendimento.

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