2011-03-05

JOVENS NA RUA EM PROTESTO. DESILUSÕES E RESPONSABILIDADES

O foco de curiosidade sobre a manifestação de jovens convocada para 12 de Março intensifica-se em consequência da mobilização esperada e das razões do protesto, não totalmente perceptíveis e menos espontâneas à medida que a causa procura legitimação na comunicação social e na rua, com ajuda dos partidos políticos da esquerda.


Já se ensaiou de tudo como explicação para a inspiração do movimento: a reacção à música dos Deolinda (o que parece bem redutor), as manifestações no Egipto e noutros países árabes (o que parece desajustado, pela diferença de contextualização política entre Portugal e os regimes não democráticos de comparação), a revolta contra o sistema (o que parece vago porque essa é a última entidade a que se deve apontar, pela ambiguidade de responsabilidade que encerra), a precariedade do vínculo laboral associada aos ordenados baixos (o que se afigura bastante difícil de evitar face ao actual modelo de funcionamento dos mercados de trabalho).

É incontornável a concordância das gerações mais velhas com o desespero dos jovens que continuam a viver na casa dos pais devido à dificuldade de acesso ao mercado de trabalho ou à fraca remuneração do mesmo, quando não devido à situação de desemprego cada vez mais prolongado. São as evidências que justificam que ninguém possa ficar indiferente à expressão de contestação pública do pior dos dramas que qualquer sociedade ocidental moderna pode viver: a perda de qualidade de vida entre gerações, sem previsão para inversão da tendência descendente instalada. Deixarmos às gerações seguintes uma vida mais difícil do que a nossa, na qualidade e quantidade do emprego e das remunerações, menos independente e autónoma para a constituição de família, representa uma enorme frustração que nos deve afligir para o resto dos nossos dias.



Apesar disso, indiciando alguma desconfiança sobre o carácter genuíno, espontâneo e apartidário das mobilizações em curso (a JSD queixa-se de não ter sido convidada pela RTP a participar no programa “Prós e Contras”, o impulso da ideia a partir de 3 ex-jotas do BE, do PCP e do PS), algumas das causas anunciadas permanecem menos explicadas, como o direito ao emprego (não se refere o termo trabalho), o direito à educação (da qual beneficiaram e que possuem em níveis de qualificação), o direito a salários e contratos ajustados às qualificações, competência e experiência que afirmam possuir (mas que nem sempre conseguem justificar convincentemente).

Pede-se aos manifestantes que levem escritas numa folha A4 as razões do seu protesto, para serem entregues na Assembleia da República, o que pretende conferir às mesmas um carácter colectivo, generalizado e marcante de toda uma geração, já rotulada com várias designações (desesperada, parva, enrascada). Sem pretender generalizar as situações e aceitando totalmente que as excepções sejam em maior número que a regra, permito-me ainda assim sugerir o acréscimo de algumas denúncias que do ponto de vista devem ser denunciadas em público pelos jovens que revelam fraca esperança no futuro mas que dizem ter vontade de participar na reinvenção do mesmo.




Para isso, há que contextualizar a desilusão sentida e começar por pedir as responsabilidades até agora não exigidas nem atribuídas pela mesma, de forma a evitar, para já, que se prolongue e agudize por mais tempo:




A adequação da oferta formativa às necessidades previsíveis dos mercados de trabalho. Os diplomados no ensino superior público, total ou parcialmente gratuitos, em áreas que têm fraca procura no mercado de trabalho, deverão ter razões de queixa por terem sido iludidos pela criação desses cursos e manutenção das vagas, indiferentes ou mesmo contrários às dinâmicas demográficas do país ou aos pressupostos de uma gestão preventiva da dinâmica das qualificações e da economia.

Mas a verdade é que jovens e pais evitam questionar o grau de ajustamento da oferta pública de nível superior cuja capacidade instalada necessita de alimento contínuo, antes preferindo exigir à saída, ao formador (o Estado), um emprego (de preferência no mesmo Estado) para as saídas profissionais que supostamente aquele considerou necessárias e por isso nelas investiu os impostos de todos. É compreensível, mas não é a solução e, pior, o situação continua sem alterações visíveis que, por já serem tardias, são ainda mais urgentes.



A desculpa invocada por uma certa esquerda intelectual instalada no ensino superior público (muita da qual incentiva esta mesma revolta dos jovens) de que a dinâmica das qualificações foi mais intensa que a da economia e dos mercados de trabalho encerra em si uma certa dúvida, pois a espera da primeira só teria beneficiado todos, em vez de se avançar sem rumo, desperdiçando recursos financeiros, teimando na fórmula errática há muito denunciada por Alvin Toffler relativamente à Europa desde o advento da terceira vaga, confundindo a economia do conhecimento com a mera sociedade da informação.

Se o acesso à educação puder continuar a ser garantido pelo Estado, então que o seja através da atribuição de um cheque-ensino, a partir do qual cada um fará a sua escolha e será responsável por ela e pelas consequências da mesma, não o Estado, que deve evitar condicionar a procura através duma viciação da oferta que gera expectativas de empregabilidade mais tarde não correspondidas. Sobreviverão apenas as melhores escolas e mais procuradas, mas será bem melhor e mais transparente para todos que a fraude em que assenta o modelo de autonomia universitária que o Estado diz existir actualmente.



A orientação do ensino superior. Apesar do aumento da oferta de cursos, a intensificação do acesso ao ensino superior não evitou uma degradação das notas de entrada em algumas áreas (as famosas notas negativas ou pouco mais que isso), não alterou substancialmente a forma de ensino e o desenvolvimento de novas competências individuais de carácter transversal, não garantiu suficiente transparência e adequação nos processos de recrutamento dos docentes, menos ainda quanto ao grau de exigência do percurso, pois vários estudos revelam o crescimento da proporção de “cábulas” no ensino superior e a praga incontrolável do copy+paste nos trabalhos académicos correntes, atingindo agora as teses de doutoramento.

O resultado só poderia ser a perda do valor social das qualificações perante um mercado de trabalho que tende a identificar cada mais outras competências distintivas, devido à anulação da distinção habilitacional: integridade, talento natural, conhecimento, capacidade de contextualizar e resolver problemas. Ora, nesta matéria nem todos estão suficientemente convencidos de que as mais recentes qualificações superiores garantam ou tenham melhorado substancialmente algumas destas nos diplomados, antes sendo crescente o sentimento de que o facilitismo na avaliação contribui em boa medida de uma forma geral para uma menor preparação em domínios puros e não directamente associados às TIC.



Desenvolver numa folha A4 um raciocínio fundamentando, justificado e devidamente encadeado sobre as razões do protesto em que participarão a 12 de Março, é uma tarefa simples mas de difícil realização para muitos desses jovens habilitados com graus de nível superior, mesmo para muitos enquadrados nas ciências sociais e humanas. É elevada a probabilidade de encontrar uma substancial fatia com dificuldades de encadear e estruturar um raciocínio justificativo e argumentativo, pejado de pérolas ortográficas como “passas-te” (passaste), “ficas-te” (ficaste), “forma-se” (formasse), “saiem”, “caiem” e outras tantas habilidades. É claro que não serão todos e talvez até apenas uma minoria, mas o certo é que marcam negativamente essa geração com elevada qualificação e, por arrastamento, o valor destas, afectando por outro lado a credibilidade das escolas formadoras, por terem validado debilidades que provavelmente até radicam ao nível do ensino secundário.

No entanto, muitos dos jovens que agora sairão à rua exigindo emprego, exigiram igualmente a facilitação do acesso ao ensino superior e a abolição dos exames e outros mecanismos de avaliação de conhecimentos, para além das propinas. O facilitismo com que foram alimentados pelo sistema é o mesmo com que agora consideram justo exigir no acesso a um emprego estável (imagina-se que no Estado), remunerado de acordo com as suas qualificações, confundindo os níveis habilitacionais que possuem com as competências que nem sempre aos mesmos estão associados em algumas áreas de formação.

A exigência de um ensino superior de qualidade e verdadeiramente competitivo ao nível europeu continua sem manifestação de apoio, apesar de bastante atrasada se ainda viesse a ocorrer. Clamar por um ensino superior público exigente e rigoroso na avaliação das competências, onde não seja permitido a um qualquer Secretário de Estado licenciar-se ao fim de semana com trabalhos em simples folha A5, é o mínimo que se deveria exigir e monitorizar em permanência para credibilizar o sistema e diferenciá-lo favoravelmente face às escolas permeáveis a tal marca.

Por outro lado, também se deve notar não encontrar na contestação dos jovens diplomados que os graus de Mestre certificados pelo modelo Bolonha correspondam hoje basicamente ao que nas gerações anteriores era a Licenciatura mas do qual resultam vantagens em termos de acesso às carreiras na Administração Pública, aos concursos para dirigentes e para progressão na carreira. Eis uma injustiça que os jovens poderão denunciar numa folha A4, se o valor da justiça ainda vigorar na sua formação.




O efeito do modelo de Bolonha. O efeito da adopção das directivas de Bolonha, facilitador de um modelo actual de gestão das escolas superiores que transformou muitas delas em verdadeiras fábricas de diplomas exorbitantemente pagos, também não veio ajudar a melhorar a vida dos jovens diplomados, antes aumentando a desconfiança do mercado de trabalho no alívio dos graus de qualificações produzidas por um sistema que já gerava por si mesmo, antes, alguma desconfiança.

Se a implementação do modelo, concebido para espaços europeus onde a elevada qualidade educativa resulta de uma capacidade de resposta adequada ao nível dos mercados de trabalho igualmente exigentes, não foi suficientemente discutido na altura pelos estudantes que só olharam para as facilidades e para as vantagens da mobilidade, o certo é que os efeitos negativos se fazem sentir agora em Portugal, claramente debilitado no upgrade pretendido aos outros parceiros europeus.

A adopção do modelo de Bolonha não veio igualmente colmatar uma lacuna de orientação da formação superior para a autonomia profissional dos diplomados através da injecção de princípios de iniciativa, de gestão do risco, de inovação e empreendedorismo para o desenvolvimento de projectos de investimento nas áreas empresarial e social. A formação superior nas ciências humanas, sociais e artísticas (as mais afectadas pelo desemprego qualificado) antes continua, perante a passividade dos seus beneficiários, a orientar as qualificações para o trabalho (emprego) dependente, pouco autónomo, por conta de outrem que assume o risco e garante a estabilidade a troco de carreiras demasiado estruturadas e rígidas, ou seja, claramente dirigido para uma Administração Pública empregadora.

Ora, esta expectativa criada pelas escolas superiores públicas, não só é desajustada às necessidades do país, da realidade económica e financeira actual e previsível, como só poderia gerar uma enorme frustração junto dos jovens e suas famílias que se deixaram embalar no canto do facilitismo, apostando tudo numa educação superior (indiferente à saída profissional) em áreas que já não garantem o mesmo retorno social, profissional e financeiro que renderam às gerações anteriores.

Apesar disso, a oferta do ensino superior público continua sem dar sinais de ajustamento voluntário e responsável, ano após ano, antes pelo contrário. Por isso, o problema continua a avolumar-se e, será de esperar que ocorram durante os próximos anos muitas mais manifestações de protesto de jovens qualificados com dificuldades de emprego.



Mas algumas delas terão necessariamente que se dirigir às Universidades e Politécnicos que, dotados de autonomia universitária, disseram aos jovens estudantes que estavam em sintonia com um mercado de trabalho que assegura não terem sido exactamente estas as necessidades manifestadas.

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