2016-09-23

PORTUGAL SEM SURPRESAS: O QUE SEMPRE FOMOS


Confesso que, após alguma disciplina intelectual, já consigo hoje não me surpreender, escandalizar ou stressar com cenários ou factos concretos que ocorram ou tenham acontecido, no campo da política nacional, por mais esotéricos e conspirativos que possam parecer à primeira vista. Entendo por isso como racionalmente explicável o Portugal político de hoje, com a amarração do governo do PS aos interesses imediatistas e politicamente “realistikes” do BE, que já tinha prometido esticar a corda, a troco da manutenção do poder e do exercício da governação. Contaram, e, bem, com o silêncio que sempre norteou os dirigentes do PS perante as maiores contradições ou atrocidades económicas, sociais ou políticas da governação socialista, porque a domesticação interna sempre foi (ao contrário do PSD, onde a contestação interna é uma das pedras de toque da vitalidade do partido) uma das regras da cultura interna, iniciada e cultivada por Soares por via do despotismo, exponenciada por Sócrates, por via do sempre sujo controle de bastidores.
Dos militantes e simpatizantes do PS, nem valerá o esforço falar, se recordarmos a defesa exacerbada da criminosa irresponsabilidade socratina na governação, especialmente em 2009 quando comprou claramente os votos, mas, ainda hoje, poucos são os que não atribuem ao governo do PSD/PP a responsabilidade pela desgraça em que Sócrates deixou o país. Na verdade, esse governo que salvou o país, com sacrifícios de todos, cometeu o erro de não apurar a verdadeira situação do mesmo, quando iniciou o seu mandato, em nome da defesa da imagem externa perante os credores. Os erros políticos pagam-se, quando não se interpreta corretamente a matriz da cultura política do eleitorado.
As romarias à prisão de Évora e o branqueamento e defesa da governação desastrosa de Sócrates, poderão não representar qualquer cegueira ideológica dos militantes e simpatizantes do PS, mas mais a desresponsabilização de cada um dos que votaram em Sócrates e Costa pela ilusão e facilitismo popularucho e demagogo que é atrativo aos que evitam pensar ou refletir sobre as consequências dos seus atos e escolhas na vida futura dos seus descendentes e familiares. É mais fácil atribuir a culpa ao sistema, dizer mal de todos os políticos, que pensam apenas neles e não no povo e, assim, ficarem tranquilos de consciência, susceptíveis aos renovados encantadores de serpentes.
No fundo, a renegociação da dívida portuguesa, que tantos defendem e muitos mais aceitariam, apenas reproduz o mesmo modelo de desresponsabilização pelos erros passados, os quais nos recusamos a reconhecer, sendo mais fácil alinhar na defesa da limpeza do quadro, virando o contador a zero para que, provável e inevitavelmente, venhamos a repetir os mesmos, pelos quais pagámos, mas, por culpa de quem os tentou corrigir, ou seja, do Passos Coelho e do Paulo Portas. Sim, porque nós não tivemos qualquer culpa por esses erros, nem pedimos que os corrigissem. Quais erros? Corria tudo bem …
Típico não só das elites partidárias e do eleitorado latino e latino-americano, pelo que a ninguém espanta que Sócrates continue a ameaçar, atacar, confrontar juízes e todo o sistema judicial, ou que seja convidado e aplaudido pelo PS para fazer palestras e ser homenageado por ações que estão a ser investigadas pelo mesmo poder judicial. A justiça, esse ente abstrato, é propriedade de avaliação de cada um de nós, que ditamos as edições das revistas e jornais e os shares televisivos e, interessa é a imagem de quem nos leva o voto, que nos fala ao ardor revolucionário que os portugueses alimentam.
Desiludam-se, pois, aqueles que considerem alterável esta matriz da cultura política portuguesa nos próximos anos, pois, por distração, não se deram conta da produção do sistema educativo português e dos valores que o mesmo tem vindo a transmitir e formatar (agora revelados publicamente pela geração manas Mortáguas): o branqueamento do ideal revolucionário e terrorista do PREC e a condenação cega e inexplicável do sistema capitalista em que vivem e do qual sabem apenas pretender rejeitar.

No fundo, apesar do Estado Novo, da revolução e do amadurecimento democrático da U.E., não deixámos de ser uma sociedade submissa e temente ao poder político, grupal, coletivista, protetora e pouco estimuladora do valor e do mérito individual. Quem não entender isto, não ganha eleições: tirando a exceção Cavaco (a quem a esquerda não perdoa que tenha sabido interpretar o sentimento do eleitorado), os ciclos de governação do  PS e da esquerda têm vindo a ser bem maiores (sempre quase em dobro) que os do PSD/PP. 

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