(joaosilva)
Pedro Passos Coelho lançou a discussão sobre o Orçamento do Estado para 2011 e José Sócrates deverá ripostar no próximo fim-de-semana.
A dramatização está lançada mas aquela que parece ser a principal divergência entre o PS e o PSD não existiria, se o Governo cumprisse as promessas de consolidar as contas públicas pela contenção da despesa.
Para os sociais-democratas, estabelecer limites às deduções e aos benefícios fiscais no imposto sobre os rendimentos das famílias é matéria que não se aceita, nem se discute. Até ver, é um assunto em que o PSD quer sublinhar as virtudes da sua coerência e deixar a nu as contradições de José Sócrates que, de um inaceitável ataque à classe média quando estava em campanha eleitoral, passou a classificar a medida como de elementar justiça fiscal. Se o primeiro-ministro quer comportar-se como um catavento, está no seu direito. Mas não terá legitimidade para queixar-se de a sua credibilidade andar amolgada e a precisar de pintura nova.
Contabilizado mais este número de prestidigitação, convém ir aos factos. Por muito que os discursos oficiais persistam em negar as evidências, na convicção de que o público a quem se dirigem é composto por tolos, crentes ou por ambas as espécies, a imposição de tectos às deduções e aos benefícios fiscais vai resultar num novo aumento de impostos. Faça-se a ginástica que se fizer, não há volta a dar-lhe.
Segue-se outro aspecto, tão óbvio que grita. A possibilidade de as famílias poderem deduzir gastos efectuados com saúde e educação explica-se pelo facto de, numa e noutra área, o mito da gratuitidade não passar disso mesmo. A Constituição pode dizer o que diz e os fundamentalistas também podem dar pinotes. Mas a realidade não vai deixar de os desmentir. Aquelas deduções estão em vigor com o objectivo de aliviar a carga fiscal num país em que a saúde e a educação têm custos, e bem pesados, sobretudo para a classe média que recebe a factura e paga as contas. Quem o desconhece, ou finge ignorar, devia trocar as lentes progressistas por umas lentes progressivas. O processo de habituação demoraria mas, no fim, acabariam por ver melhor.
Por detrás da poeira, é fácil perceber que o problema mora noutro lado, no domicílio onde sempre viveu. A urgência do Governo em baixar a despesa fiscal e subir os impostos sob pretextos pomposos e apressados, deve-se à incapacidade para controlar e reduzir a despesa pública noutras frentes. E não haveria qualquer polémica sobre deduções e benefícios se as poupanças obtidas num ano fossem usadas para ajudar a baixar o défice no ano seguinte. Mas não é isso que está a suceder.
Em 2009, os serviços públicos acumularam 546 milhões de euros, dinheiro que lhes foi atribuído mas que não foi gasto. Seria normal e exemplar que, num período em que está a impor sacrifícios aos contribuintes, o Governo aproveitasse a margem de manobra para abater o desequilíbrio nas contas públicas. Não só não o fará, como até decidiu pegar no dinheiro-extra para reforçar a despesa.
O mais curioso é que o valor que vai ajudar a alimentar o "monstro" é superior ao da poupança que o Governo prevê com as restrições nas deduções e nos benefícios fiscais. Por junto, somarão 430 milhões de euros. As contas são cristalinas: as poupanças do ano passado chegariam, e sobrariam, para evitar causticar, ainda mais, os orçamentos familiares. Mas, como sempre, é mais fácil continuar a gastar e, em compensação, sugar os contribuintes, o que também não é novo.
Nos últimos 30 anos, o peso da despesa corrente das administrações públicas sobre a economia quase duplicou e a carga fiscal, como seria inevitável, acompanhou o desvario. Os protagonistas vão mudando mas a política só tem um lema: há dinheiro? Gaste-se.
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