2010-01-16

HONORABILIDADE NA POLÍTICA. A TRADIÇÃO JÁ NÃO É O QUE ERA

A cada dia que passa, amigos e conhecidos questionam-me sobre a insistência no exercício de um direito entendido por mim como dever, de participação e envolvimento nas decisões que afectam não só o quotidiano da nossa comunidade e sociedade, mas também e, nomeadamente por esta razão, o seu futuro e o futuro dos nossos filhos. Muitos desses reparos insistem na constante perda na luta por uma causa cada vez mais arrasada pela degradação da vida política a que se chegou em Portugal, alucinante em ritmo durante a década de 1990, mais ainda no rompante da primeira década deste século.
Para além da forte consciência de um dever de participação na influência de construção do futuro dos nossos descendentes que já referi, tendo invariavelmente a invocar personalidades de Évora que me influenciaram enquanto estudante, algumas infelizmente já ausentes, sob os auspícios valorativos e referenciais de um grande e incomparável HOMEM que a política portuguesa conheceu durante as décadas de 1970 e 1980, que foi o General Ramalho Eanes, cujas provas de seriedade e desprendimento ainda recentemente reiterou com a recusa do vultuoso montante financeiro atribuído retroactivamente pelo Estado português.
Concorde-se ou não com as suas decisões e posições, era dotado de uma estrutura de valores cuja comparação com muitos dos actuais actores políticos faria corar de vergonha (se alguma vez a tivessem conhecido) muitos daqueles que todos os dias nos invadem a sala nas horas nobres da televisão, enchendo a boca sobre a ética do exercício da representação pública dos eleitores que neles confiaram. Seguiu-se Cavaco que, a seu tempo, procurou garantir até ao limite, o máximo possível de continuidade na garantia da honorabilidade associada ao desempenho das suas funções públicas.
Outros tempos, quando dificilmente se admitia a mínima suspeita sobre a honorabilidade das referências políticas da nação, enquanto âncoras da estabilidade política e de respeitabilidade da estrutura social que aquela sentia por missão assegurar enquanto garantia de respeitabilidade das instituições de referência da democracia.
Impossível compreender hoje, para quem iniciou a sua participação cívico política nesses tempos, que os governantes nacionais e locais se desculpem com os erros dos anteriores ocupantes dos seus cargos para justificarem a inércia e as suspeitas sobre os erros da sua acção, procurando assegurar apenas a manutenção do poder a todo o custo e a distribuição de dividendos para os elementos da sua família política, hoje bem mais vasta, interessada, interferente e dependente desses exercício político do que então.
Ao nível local, a transparência da gestão municipal (à semelhança dos exemplos pantanosos que vêm dos governantes nacionais), parece hoje um valor cada vez mais em erosão, conduzindo a um avolumar de (legítimas) dúvidas dos eleitores sobre a acção daqueles que procuram a fuga para a frente com ataques a uma oposição que deveriam agradecer como construtiva e benéfica para completar a incompetência do que as maiorias absolutas (entretanto perdidas) não justificaram.
É caso para dizer que, a tradição, na política, já não é o que era, sendo de todo legítimo estabelecer a hipótese de que a falta de confiança que alguns governantes geram nos seus eleitores, em consequência das promessas repetidamente anunciadas e rapidamente esquecidas, associados ao desrespeito pela pluralidade democrática dos representantes das várias correntes políticas, em nada contribuirão para o bem-estar e a modernização social (mesmo que se aprovem os casamentos gay enquanto pseudo-expoente da mesma), para o desenvolvimento económico, nem mesmo para a excelência de qualquer cidade, por muito que se faça anunciar como tal.
Resta saber qual o limite político para um clima de suspeição e desconfiança dos eleitores nos seus governantes, resultado de uma reiterada solicitação de transparência política não correspondida nem assegurada. Cabe aos governantes questionarem-se sobre o limite de resistência da corda que estão a esticar porque, se a mesma partir, serão os principais prejudicados, parecendo não ter aprendido a lição na continuada perda de base eleitoral que, certamente não se deverá apenas ao mau feitio da oposição, por sinal em crescimento igualmente continuado.

Sem comentários: